Correio Braziliense
24 de abril de 2007
Correio Braziliense
Página Órfã no caderno Pensar
UMA COISA É JIMI HENDRIX, OUTRA SÃO OS MENINOS DE RECADO DE HOJE
Entrevista a José Carlos Vieira
CB: Por que o título Página Órfã?
RB: A expressão “página órfã” vem da comunicação eletrônica ; “página órfã” é aquela que não se liga em nenhuma outra página da Internet, como me ensinou o Rafael, da DM5, que cuida do meu website e do website da Sibila. Como título do livro, quer dizer, claro, outras coisas também, como a falta de vínculo da poesia com a realidade contemporânea; mas um título deve falar por si mesmo e prefiro não explicá-lo. Ou então sugiro que as pessoas visitem a seção Página órfã, do meu website http://regisbonvicino.com.br ; há algumas resenhas sobre o livro e, cada uma, faz, a seu modo, uma leitura do título e de todo o trabalho.
CB: Qual sua ligação com Leminski e por que você e ele ainda são esquecidos pela academia?
RB: Fui muito amigo de Leminski sobretudo de 1975 até meados dos anos 1980 ; talvez eu tenha sido o único poeta a estar no velório de seu filho Miguel, em Curitiba. Mas sempre tivemos diferenças acentuadas, do ponto de vista estético e pessoal — eu sempre fui mais “careta” do que ele. Ele era dez anos mais velho e seu trabalho já estava, naquela época, mais encorpado do que o meu, ainda incipiente — meu trabalho, para mim, começa, para valer, com Más Companhias, de 1987. Já no começo dos anos 1980, eu não suportava mais ouvir MPB, Caetano e Gil e ele, ao contrário, queria escrever letras e músicas para esse pessoal. Hoje quase não consigo ler sua poesia: acho-a feita de “sacadas”, curtas e leves; o “Catatau” parece-me uma ótima variação, mas, variação, de época, do impacto de Joyce na prosa brasileira, que pegou de Rosa (um maneirista em muitos livros, exceto em Primeiras Histórias) a um Haroldo de Campos, de Galáxias, igualmente um tanto maneirista. Quanto à Academia: Vade retro, Academia! — uma instituição mais voltada para a política, para o poder, para o “prestígio”, para o “provincial”, do que de criação poética e/ou literária. Sir Ney é um acadêmico! Paulo Hiena é um acadêmico! O único “acadêmico” que perdôo é João Cabral — o maior poeta brasileiro de todos os tempos, ao lado de Murilo Mendes e de Drummond.
CB: Marginal ou maldito?
RB: Nenhum dos dois. Apenas um poeta independente.
CB: Vinho ou LSD?
RB: As drogas organizam a corrupção e o crime no Brasil e no mundo. Quem usa drogas está estimulando a corrupção, o tráfico de armas, a lavagem de dinheiro, a impunidade, a barbárie. É um irresponsável pessoal e social. O LSD fez parte de uma atitude dos anos 1960, que possuía conteúdo e que se tornou um movimento, conteúdo de luta contra Nixon e a guerra do Vietnam, de luta contra o desemprego nos EUA e Europa, de luta a favor da virada etnocêntrica e valorização de todos os povos não brancos, de inovação nas artes, haja vista Godard, Antonioni, Fellini, John Cage, Grupo Fluxus, o Swinging London etc; uma coisa é Jimi Hendrix em 1967 ter tomado ácido e produzido coisas como Axis: bold as love, outra é quem usa hoje — quem usa hoje é menino de recados da corrupção, do tráfico, dos sanguessugas, dos mensaleiros etc. Então, vinho e chileno: Don Melchor, da Casa Concha y Toro, ok?
CB: Você carrega poesia no bolso pelas ruas paulistanas ou a deixa no computador?
RB: Ando com pequenos cadernos pelas ruas, às vezes, cadernos mentais, e, depois, passo as anotações para um outro caderno maior e, só depois, digito no computador o que escrevi e, aí, o material pode se transformar num poema ou não.
CB: Há uma “batida” em seus poemas que sugerem roquenrou. Estou certo?
RB: Se ouviu uma “batida” rock and roll deve estar certo… Por que não estaria? Gosto até hoje do Cazuza, aliás, o melhor de todos no Brasil, para mim. O livro é visceral mas não há, hoje, qualquer visceralidade no rock and roll, concorda? Só há uns chatos por aí, repetindo infinitamente o que se fez nos anos 1960, com algumas exceções como Sex Pistols, Nirvana etc. Mas, ouço muito Jimi Hendrix, ouço muito os Rolling Stones dos anos 1960 e 1970. Adoro Mick Jagger até hoje. Disse para o Alcir Pécora que sentia Página órfã como o meu Exile on main street, trabalho de 1971 dos Stones. Mas ouço idem música erudita aleatoriamente na rádio Cultura FM de São Paulo e jazz, muitíssimo.