Mário Faustino nasceu em 1930 numa cidade do Nordeste do Brasil chamada Teresina. Mudou-se, em 1940, para Belém, uma das capitais da Amazônia, ao lado de Manaus, onde completou os estudos secundários e se iniciou como jornalista. Em Belém, onde o Rio Amazonas faz pororoca com o Oceano Atlântico – o encontro das águas doces e salgadas – , trabalhou em dois jornais locais. Abandonou o curso de Direito no terceiro ano pelo curso de Administração Pública. Em um interregno, nos anos de 1951/52, morou em Los Angeles, estudando língua e literatura inglesa no Pomona College e trabalhando no periódico Los Angeles Mirror. Na Califórnia, conheceu o poeta norte-americano Robert Stock, que seria, por algum tempo, seu companheiro em sua volta ao Brasil.
Somente em 1956, mudou-se para a cidade do Rio de Janeiro, então capital do país, situada no Sudeste, mais próxima de São Paulo e Buenos Aires (Argentina) do que de Teresina ou Belém, já como autor de (o que seria seu único livro em vida) O Homem e sua Hora (Rio de Janeiro, Livros de Portugal, 1955).
Quero, com estas breves linhas de cunho biográfico, revelar ao leitor espanhol, traços da personalidade de Faustino: a intensidade, a mobilidade e a precocidade. Precocidade que, com sua morte, em 1962, num desastre aéreo, quando voava do Rio para Nova Iorque (onde iria se fixar como correspondente de um jornal brasileiro), se confirma.
Faustino pertence a uma geração que, sob o influxo do pós Segunda Guerra, quis reinventar o Brasil, haja vista, neste mesmo período, a construção de uma nova capital, Brasília (que substitui não sem razões o Rio de Janeiro), que ,nas palavras felizes da historiadora Elena Pájaro Peres (1) :” (Brasília) nasceu em meio à selva, ultrapassando todos os obstáculos e assegurando o poder de civilização sobre a floresta (inclusive, amazônica) bravia. Sua criação converteu-se em um ponto inaugural do novo Brasil que surgia para o mundo, livre das mazelas que marcaram seu passado e pronto para o futuro”.
Emergia, assim, durante a construção de Brasília, na segunda metade da década de 1950, um Brasil “planejado” na mente de urbanistas, economistas e também de artistas. Em 1956/57, eclode no eixo São Paulo/Rio o movimento concretista (que obteve a adesão de por exemplo Manuel Bandeira), que, entre seus vários aspectos, retomava, nesta nova “Meca” tropical, as questões das vanguardas européias do início do século XX, pretendendo não só substituí-las como superá-las, dando por encerrado, nada mais nada menos, do que o “ciclo” histórico do verso!. Era, por um lado, a tentativa de afirmação da poesia visual – primeira resposta brasileira às novas tecnologias norte-americanas de estímulo ao consumo e a um novo modo de vida, urbano. Eram os tempos do poema-cartaz, do poema de uma só palavra, do poema-imagens, dos poemas antipropaganda. Tempos de matemática da composição. Tempos de rádio e cinema, num contexto de uma literatura discursivo-sentimental, piegas, que parecia constituir-se no eterno retorno do parnasianismo, com as exceções de um Carlos Drummond de Andrade e de um João Cabral de Melo Neto, contemporâneos mais velhos desta nova geração e os maiores poetas brasileiros dos últimos cem anos. A nova capital, Brasília, traduzindo os tempos, impunha uma nova poesia, de inflexão internacional e de feição pioneira, brasileira.
É interessante ver como o Brasil dos anos de 1950 era percebido, no momento da euforia, num relato do imigrante galego Pascual Nuñez Arca : ” Pronto, a una velocidad vertiginosa, estará completo el núcleo urbano más moderno del mundo: será la capital completa, belíssima, harmoniosa, donde nada haga falta ya, poblada por cientos de miles de seres.
Pero una capital 100% activa, como corresponde al estilo nuevo que Kubitschek busca para su país trabajando 20 hs diarias, mientras Rio de Janeiro hace su vida refinada e y su molice bailando mambos y sambas en Copacabana” (2). Sim, Juscelino Kubitschek foi o presidente do Brasil neste período (1956/1960), um homem liberal e anticomunista (condecorado por exemplo pelo General Franco) que soube jogar com as oportunidades de investimentos do pós Segunda Guerra e da Guerra Fria e vender o Brasil como o “país do futuro”, contagiando todos os setores de nossa sociedade. Lembrar que, nos anos de 1950, aparece, no Rio, a Bossa Nova, fusão de samba com jazz, (Antonio Carlos Jobim, João Gilberto, Vinícius de Moraes), o mais internacional dos movimentos brasileiros, que, até hoje, repercute no mundo todo: de Madri a Tokyo, passando por Nova Iorque.
Faustino representa uma das três vertentes por assim dizer de vanguarda que, aqui, se lançaram, tentando, num esforço paulatino, retomar o legado da Semana de Arte Moderna de São Paulo, de 1922. Legado recusado pelo neo-conservadorismo da “Geração de 1945” (T. S. Eliot) , que, aliás, influenciou, nos primeiros livros, ele próprio Faustino bem como a quase todos os expoentes desta então nova “safra” neovanguardista como Haroldo de Campos, Augusto de Campos, Décio Pignatari, Ferreira Gullar, Affonso Ávila, Laís Ferreira de Araujo, José Lino e outros, despertada de seu próprio “conservadorismo” inicial para o “novo” pelo momento brasileiro, um momento futurista, em substituição aos então escombros europeus, esgotados por ditaturas e pelas guerras. Era o frescor brasileiro da “América”. Brasília era a terra da promissão em contraste com o Rio, a capital de um país “ditatorial”, anacrônico, que já não mais existia e São Paulo, onde se lançara o modernismo de 1922 e o concretismo de 1957, a cidade onde “… Cuatro miliones de seres humanos hablando los más variados idiomas, pero praticando el más universal, que es el progreso…” (3). Assim se expressava o mesmo Nuñez Arca sobre São Paulo, flagrando igualmente o semblante brasileiro, que marcou o poeta, que ora se apresenta – um mito quase secreto aqui mesmo no Brasil, ainda. A primeira reedição de seus poemas, reunindo-se os de O Homem e sua Hora com os inéditos e publicados em jornal, só foi ocorrer em 1984, sob a égide do crítico Benedito Nunes, 22 anos depois de sua morte. Em 2002, publicou-se a terceira edição de suas poesia completas e este ano publicou-se o primeiro tomo de seus ensaios, retirados de sua página “Poesia-Experiência” ()
Não deve ficar cansado o leitor espanhol. Os poemas de Mário Faustino, apresentados emSibila, condensam, a seu modo, todas as questões que vimos abordando. Em “Vida toda linguagem” percebe-se um certo tecnicismo e obstinação pela perfeição. É o poeta – que foi um excelente crítico, como demonstra sua já mencionada página “Poesia-Experiência” (1956/1959) e um grande tradutor também – respondendo ao impulso do progresso, sem, como os concretistas de São Paulo, contudo, deixar de lado uma certa imagem da tradição. O norte-americano Ezra Pound, que passou quase toda a sua vida na Europa, foi o grande modelo de pensamento literário quer para Faustino, quer para os concretistas – os hoje mundialmente conhecidos Haroldo de Campos (que, a partir dos anos de 1960, dedicou-se a inúmeros tipos de escritura, inclusive do poema longo “Galáxias”, sob a influência de Mário), seu irmão Augusto de Campos e Décio Pignatari, estes menos conhecidos em plano internacional. Pound fornecia roteiros objetivos e seguros (inventores, mestres, diluidores e a técnica da comparação, para a crítica etc) para se lidar com a tradição universal – algo quase inalcançável, nestes trópicos, por uma via que se quisesse inovadora, desde o modernismo de 1922. Leia-se o próprio Faustino: “… Diluição, isto é, imitação sem progresso em relação ao modelo original…”. Estava presente, portanto, em Mário, a idéia do progresso de uma forma diferente da constante no trabalho dos concretistas de São Paulo e dos neo-concretistas do Rio, liderados por Ferreira Gullar e com adeptos do porte de um Hélio Oiticica. Mário concordava com os concretistas que o verso estava em crise. E “ecoando”, também, a idéia do Brasil como a nova “Meca” do mundo escrevia: ” … está tudo parado na Inglaterra, na Rússia, nos Estados Unidos, na Alemanha, na Itália, na França, na Espanha…”. (3). Todavia, ainda tinha esperanças de fazer um bom trabalho, valendo-se da metrificação, que utilizava para criar contrastes internos de ritmo e musicalidade em suas peças, como em “Marginal Poema 15”, e da própria palavra escrita, com a qual não pretendia romper. Mário, ao contrário, de Ferreira Gullar não dava importância para a “inspiração”. Leia-se: “… toda a evolução da poesia concreta parece-me estar conduzindo à criação de formas menores de poesia, quantitativamente falando. Os poetas concretos parecem aceitar a posição de Poe, segundo a qual é impraticável o poema longo. Ora, para mim só interessa o poema longo…”. Depois de O Homem e sua Hora, Faustino empenhou-se em escrever o tal do poema longo, algo como Blanco, de Octavio Paz, como observou Haroldo de Campos (4), que não se concluiu em virtude de sua morte em 1962, e que aqui, em Sibila, apresenta-se como “Fragmentos de uma obra em progresso”. Friso que, para mim, Mário foi, enquanto esteve vivo, o maior intelectual e o melhor poeta de sua geração, que, diga-se, a bem da verdade histórica, abandonou-lhe a um certo esquecimento, talvez, em conseqüência de rivalidades. Sim, o autor de O Homem e sua Hora foi o primeiro a reavaliar, por exemplo, Gregório de Matos Guerra (1633/1696), em sua página “Poesia-Experiência”, no Jornal do Brasil (1956-1959), como o fundador da poesia brasileira e de uma tradição substantiva: “…por muito tempo, depois de Gregório, ficaria perdida esta arte de apresentar verbalmente a coisa, sem comentários…”. (). Escreveu ensaios até hoje brilhantes e inafastáveis sobre Rimbaud, Jorge de Lima, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto etc. Traduziu pioneiramente Horacio, Guido Cavalcanti, Dante, François Villon, Goethe, Hoelderlin, Keats, Leopardi, W.B. Yeats, Rainer Maria Rilke, Ezra Pound, Wallace Stevens, Hart Crane, Dylan Thomas, antonin Artaud, Bertold Brecht e tantos outros. Ressalve-se: o melhor poeta ao lado de Décio Pignatari, este o grande poeta “industrial”, em diálogo com os novos meios, autor de obras primas como por exemplo o poema “coca-cola”, entre muitos. Haroldo de Campos começou a produzir peças significativas apenas a partir dos anos de 1960, como “Galáxias” ou “Servidão de Passagem”. Até então hesitava entre o conservadorismo retórico de seus primeiros livros e poemas concretos decentes. Foi este mesmo Haroldo que, sob o influxo de Mário, escreveu, décadas depois, um estudo sobre Matos Guerra e o sequestro do barroco na literatura brasileira.
A presença de Faustino representava, creio, um forte desejo de modernização da cultura brasileira, que igualmente se adaptava aos ritmos globais impostos pelas novas tecnologias norte-americanas. Veja-se o Faustino jornalista que, no fundo, é o Faustino poeta de massas. Havia nele uma hesitação: não queria abandonar a palavra escrita e ou se dedicar à fusão dela às artes plásticas e ao design. A esta hesitação (que visava, também, a eliminar a “discursividade” sentimental da poesia, algo dominante até hoje no Brasil – a poesia brasileira atual é muito fraca, com exceção de poucos autores, como Paulo Leminski, já morto, ou Claudia Roquette -Pinto), Benedito Nunes chamou de concordia discor – um traço, na verdade, barroco, da tradição ibérica, um traço gongorino e quevediano. E portanto da tradição brasileira. Mário morreu, em 1962, de uma maneira contemporânea: num desastre de avião, indo para NY! Aquele Brasil de Kubitschek, moderno mas católico, futurista mas anticomunista (em busca de capitais e investidores), perfeito, em suma, que trocava a corroça de boi e o carro importado pela produção de automóveis e Brasília, morreria dois anos depois, em 1964, com a instauração da ditatura civil-militar, que dominou o país até 1985. A utopia modernizante de Brasília havia se desmanchado na inconsistência, arcaica, do país e em sua inflação, pobreza, criminalidade etc. Faustino foi, assim, o homem da “renascença” brasileira, que não durou mais do que uma década!
Régis Bonvicino
LA PESADILLA DEL PODER DE LA CIVILIZACIÓN:
LA UTOPÍA BRASILEÑA DE MÁRIO FAUSTINO
Mário Faustino nació en 1930 en una ciudad de Noreste del Brasil llamada Teresina. En 1940, se mudó a Belém do Pará, una de las capitales de la Amazonia, cercana a Manaus. Ahí completó sus estudios secundarios y comenzó su carrera periodística. En Belém, donde el Amazonas hace pororoca al desembocar en el Océano Atlántico, donde se une el agua dulce a la salada, Faustino trabajó en un par de periódicos locales. Abandonó sus estudios de derecho en el tercer año para empezar el curso de administración pública. En un interregno en los años 1951-52, vivió en Los Ángeles, estudiando lengua y literatura inglesa en Pomona College y trabajando para el periódico Los Angeles Mirror. En California conoció al poeta norteamericano Robert Stock, el cual sería su compañero por algún tiempo al volver a Brasil.
Sólo hasta 1956, Faustino se mudó a la ciudad de Rio de Janeiro situada al Sudeste del país , más cercana a São Paulo y Buenos Aires que a Teresina y entonces capital del país. Ese año, era ya autor del cual sería su único libro publicado en vida, O Homem e sua hora [El hombre y su hora] (Rio de Janeiro: Livros de Portugal, 1955).
Con estas breves líneas de carácter biográfico, quiero revelar al lector español facetas de la personalidad de Faustino: su intensidad, su movilidad y su precocidad. Tal precocidad se confirma con su muerte en un accidente aéreo, en 1962, cuando volaba de Rio a Nueva York, hacia donde se dirigía para establecerse como corresponsal de un periódico brasileño.
Faustino pertenece a una generación que, bajo la influencia de la posguerra, quiso reinventar al Brasil, como se ve, en la misma época, en la construcción de una nueva capital, Brasilia, que sustituyó, no sin razón, a Rio de Janeiro. En las elocuentes palabras de la historiadora Elena Pájaro Peres: “[Brasília]nació en medio de la selva, salvando todos los obstáculos y afirmado el poder de la civilización por encima del de la selva bravía (inclusive, la amazónica). Su creación se convirtió en punto inaugural del nuevo Brasil que surgía hacia el mundo, libre de las aflicciones que habían marcado su pasado y listo para el futuro.”
Emergía así, durante la construcción de Brasilia, en la segunda mitad de la década de 1950, un Brasil “planificado” en la mente de los urbanistas, economistas y también de los artistas. En 1956-57, estalla en el eje São Paulo-Rio el movimiento concretista, al cual también se unió, por ejemplo, Manuel Bandeira, y que, entres sus varios aspectos, retomaba, en esta nueva “Meca” meridional, los debates de las vanguardias europeas de principios del siglo XX. El movimiento pretendía no tanto substituirlas sino superarlas, dando por terminado nada menos que el “ciclo histórico del verso” (!) Era, por un lado, el intento de afirmar la llamada poesía visual -la primera respuesta brasileña a las nuevas tecnologías norteamericanas de estímulo al consumo y de un nuevo estilo de vida urbano. Eran los tiempos del poema-cartel, del poema de una sola palabra, del poema-imagen, de los poemas anti-propaganda. Tiempos de la matemática de la composición. Tiempos del radio y del cine, en el contexto de una literatura discursivo-sentimental, cursi, que parecía constituirse como el eterno retorno del parnasianismo, con las notables excepciones de Carlos Drummond de Andrade y de João Cabral de Melo Neto, contemporáneos más viejos de esta nueva generación y los más grandes poetas brasileños de los últimos cien años. La nueva capital, Brasília, traduciendo los tiempos, imponía una poesía nueva, de inflexión internacional y de cuño pionero, brasileño.
Es interesante notar cómo el Brasil de los años cincuenta era visto, en un momento de euforia, en el relato del inmigrante gallego Pascual Núñez Arca: “Pronto, a una velocidad vertiginosa, estará completo el núcleo urbano más moderno del mundo: será la capital completa, bellísima, armoniosa, donde nada haga falta ya, poblada por cientos de miles de seres. Pero una capital 100% activa, como corresponde al estilo nuevo que Kubitschek busca para su país trabajando 20 horas diarias, mientras Rio de Janeiro hace su vida refinada y su molicie bailando mambos y sambas en Copacabana. ” Sí, Juscelino Kubitschek fue Presidente de Brasil en este periodo (1956-1960), hombre liberal y anticomunista (condecorado, por ejemplo, por el General Franco) que supo jugar con las oportunidades de inversión de la posguerra y de la Guerra Fría y vender al Brasil como el “país del futuro,” contagiando a todos los sectores de nuestra sociedad. Hay que recordar que en los años cincuenta aparece en Rio de Janeiro la bossa nova, fusión de samba con jazz (Antonio Carlos Jobim, João Gilberto, Vinícius de Morães), el más internacional de los movimientos brasileños que hasta nuestros días repercute en todo el mundo, de Madrid a Tokio, pasando por Nueva York.
Faustino representa, por así decir, una de las tres vertientes de la vanguardia que se lanzaron en el Brasil, intentado, por medio de un esfuerzo paulatino, retomar el legado de la Semana de Arte Moderna de São Paulo de 1922. Este legado fue sucesivamente negado por el neoconservadurismo brasileño de la llamada “Generación de 1945” (heredera de T. S. Eliot) que, por cierto, tuvo un influjo importante tanto en los primeros libros de Faustino, como en los de casi todos los exponentes de esta nueva “zafra” neovanguardista, como Haroldo de Campos, Augusto de Campos, Décio Pignatari, Ferreira Gullar, Affonso Ávila, Laís Ferreira de Araújo, José Lino Grünewald y otros. Esta generación despertó de su propio “conservadurismo” inicial hacia lo “nuevo” a través de un momento brasileño, un momento futurista, que substituyó a los escombros europeos, agotados por las dictaduras y por las guerras. Era el frescor brasileño de “América.” Brasília era la tierra prometida, en contraste con Rio de Janeiro, la capital de un país “dictatorial,” anacrónico, que no existía más y en São Paulo, donde fue lanzado el modernismo de 1922 y el concretismo de 1957, la ciudad donde viven “…Cuatro millones de seres humanos hablando los más variados idiomas, pero practicando el más universal, que es el progreso…”. Así se expresaba el mismo Núñez de Arca sobre São Paulo, flagrando igualmente el semblante brasileño, que marcó al poeta que presentamos aquí, un mito casi secreto en el Brasil, inclusive hoy en día. La primera reedición de sus poemas, que reúne los de O Homem e sua hora, los inéditos y los publicados en periódicos, solamente tuvo lugar en 1984, bajo la égida del crítico Benedito Nunes, a 22 años de la muerte de Faustino. En 2002, se publicó la tercera edición de su poesía completa y este año se publicó el primer tomo de sus ensayos recopilados de su columna semanal, “Poesia-Experiência”.
No se canse el lector español. Los poemas de Mário Faustino que presentamos en Sibila condensan, a su modo, todas las cuestiones que hemos abordado hasta ahora. En “Vida toda lenguaje” se percibe un cierto tecnicismo y obstinación por la perfección. Se trata aquí del poeta -que también fue un excelente crítico, como demuestra ya su mencionada página “Poesia-Experiência” (1956-1959) y un gran traductor también-respondiendo al impulso del progreso, sin dejar de lado una cierta imagen de la tradición. El norteamericano Ezra Pound, que vivió casi toda su vida en Europa, fue el gran modelo de pensamiento literario tanto para Faustino como para los concretistas – los hoy mundialmente conocidos Haroldo de Campos (quien, a partir de los años 60, se dedicó a innúmeros tipos de escritura, inclusive del poema extenso “Galaxias,” bajo la influencia de Faustino), su hermano Augusto de Campos y Décio Pignatari (estos últimos menos conocidos en el ámbito internacional). Pound proporcionaba guiones objetivos y seguros (inventores, maestros, “dilutores,” y la técnica de la comparación en la crítica, etc.) para lidiar con la tradición universal -algo casi inalcanzable en estas latitudes por un camino que pretendiese ser innovador, desde el modernismo de 1922. Léase al mismo Faustino: “…Dilución, esto es, imitación sin progreso en relación al modelo original…”. Estaba presente, por lo tanto, en Faustino, la idea del progreso de una forma diferente a la constante en el trabajo de los concretistas de São Paulo y de los neo-concretistas de Rio, liderados por el poeta Ferreira Gullar y con adeptos de la estatura del artista plástico Hélio Oiticica. Faustino coincidía con los concretistas en que el verso estaba en crisis. Y “haciendo eco” de la misma idea de que Brasil era la nueva “Meca” del mundo, escribía: “… todo está inmóvil en Inglaterra, en Rusia, en los Estados Unidos, en Alemania, en Italia, en Francia, en España…”. Sin embargo, aún tenía la esperanza de realizar un buen trabajo valiéndose tanto de la metrificación, que utilizaba para crear contrastes internos de ritmo y musicalidad en piezas como “Marginal Poema 15,” como de la misma palabra escrita, con la cual no pretendía romper. Faustino, al contrario de Ferreira Gullar, no daba importancia a la “inspiración.” Léase, por ejemplo: “…me parece que toda la evolución de la poesía concreta está llevando a la creación de formas menores de poesía, cuantitativamente hablando. Los poetas concretos parecen aceptar la posición de Poe, según la cual el poema largo es impracticable. Sin embargo, a mí sólo me interesa el poema largo…”. Después de O Homem e sua hora, Faustino se empeñó en escribir un texto en el género del poema largo, algo como Blanco de Octavio Paz, obra que quedó inconclusa con la muerte de Faustino en 1962, y que presentamos aquí como “Fragmentos de una obra en progreso.” Subrayo que, para mí, Faustino fue, durante su vida, el intelectual más importante y el mejor poeta de una generación que, sea dicho a favor de la verdad histórica, lo relegó a un cierto olvido, tal vez por motivos de rivalidad. Sí, el autor de O Homem e sua hora, fue el primero, por ejemplo, en reconocer al poeta barroco Gregório de Matos Guerra (1633-1696), en su columna “Poesia-Experiência” del Jornal do Brasil (1956-1959), como el fundador de la poesía brasileña y de una tradición substantiva: “… por mucho tiempo, después de Gregório, se perdería el arte de presentar la cosa verbalmente, sin comentarios…”. Escribió ensayos brillantes sobre Rimbaud, Jorge de Lima, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, etc. Tradujo de manera pionera a Horacio, Guido Cavalcanti, Dante, François Villon, Goethe, Hoelderlin, Keats, Leopardi, W.B. Yeats, Rainer Maria Rilke, Ezra Pound, Wallace Stevens, Hart Crane, Dylan Thomas, Antonin Artaud, Bertolt Brecht y muchos otros. Nótese la enmienda: Faustino fue el mejor poeta al lado de Décio Pigantari, este el gran poeta “industrial,” en diálogo con los nuevos medios de comunicación, autor de obras maestras como por ejemplo el poema “coca-cola,” entre otros. “Galáxias” y “Servidão de passagem,” las obras más importantes de Haroldo de Campos fueron escritas sólo a partir de los años sesenta ya que hasta ese momento de Campos vacilaba entre el conservadurismo retórico y las formas sintéticas de la poesía concreta. Fue este mismo Haroldo de Campos quien, inspirado por el trabajo pionero de Faustino, escribió, décadas después, un estudio sobre Matos Guerra y el secuestro del barroco en la literatura brasileña.
La presencia de Faustino representaba, creo, un vigoroso deseo de modernización de la cultura brasileña, que igualmente se adaptaba a los ritmos globales impuestos por las nuevas tecnologías norteamericanas. Véase al Faustino periodista que, en el fondo, es el Faustino poeta de las masas. Había en él una ambivalencia: no quería abandonar la palabra escrita y/o dedicarse fusionar la palabra a las artes plásticas y al diseño. Tal ambivalencia también tenía por objetivo la eliminación de la discursividad sentimental de la poesía, algo aún hoy en día dominante en Brasil en mucha de la mala poesía actual, con la excepción de pocos autores como Paulo Leminski, ya fallecido, o Claudia Roquette Pinto. El crítico Benedito Nunes llamó a esta ambivalencia concordia discors, un rasgo, en realidad, barroco, de la tradición ibérica, un rasgo gongorino y quevediano y, a su vez, de la tradición brasileña.
Faustino murió en 1962, de una manera contemporánea: en un accidente aéreo de camino a Nueva York. Aquel Brasil de Kubitschek, moderno pero católico, futurista pero anticomunista (en busca de capitales e inversionistas), perfecto, en resumen, que trocaba el carro de bueyes y el auto importado por la producción de automóviles y Brasília, moriría dos años después, en 1964, con la instauración de la dictadura civil-militar que dominó al país hasta 1985. La utopía modernizante de Brasília se había desintegrado en la inconsistencia arcaica del país y en su inflación, su pobreza, su criminalidad, etc. Faustino fue, así, el hombre del “renacimiento” brasileño, que no duró sino una década.
Régis Bonvicino es poeta, ensayista y traductor, así como co-editor de la revista homónima Sibila, editada en São Paulo, Brasil; publicó, entre otras cosas, Remorso do Cosmos (de ter vindo ao sol), São Paulo, Ateliê Editorial, 2003, Lindero Nuevo Vedado, Porto, Edições Quasi, 2002, y editó la antología Nothing the Sun Could Not Explain, Los Angeles, 2003, así como Sky-Eclipse / Selected Poems (Sun & Moon Press, 2000).
Traducción del portugués: Odile Cisneros
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VIDA TODA LINGUAGEM
Vida toda linguagem,
frase perfeita sempre, talvez verso,
geralmente sem qualquer adjetivo,
coluna sem ornamento, geralmente partida.
Vida toda linguagem
há entretanto um verbo, um verbo sempre, e um nome
aqui, ali, assegurando a perfeição
eterna do período, talvez verso,
talvez interjetivo, verso, verso.
Vida toda linguagem,
feto sugando em língua compassiva
o sangue que criança espalhará – oh metáfora ativa!
leite jorrado em fonte adolescente,
sêmen de homens maduros, verbo, verbo.
Vida toda linguagem,
bem o conhecem velhos que repetem,
contra negras janelas, cintilantes imagens
que lhes estrelam turvas trajetórias.
Vida toda linguagem –
como todos sabemos
conjugar esses verbos, nomear
esses nomes:
amar, fazer, destruir,
homem, mulher e besta, diabo e anjo
e deus talvez, e nada.
Vida toda linguagem,
vida sempre perfeita,
imperfeitos somente os vocábulos mortos
com que um homem jovem, nos terraços do inverno, contra a chuva,
tenta fazê-la eterna – como se lhe faltasse
outra, imortal sintaxe
à vida que é perfeita
língua
eterna.
…
Cambiante floresta, rio, jóias,
um repuxo de garças brotava
o pescador se erguia
os lábios contra a urna
e a palmeira chovia luz-de-sol
e a superfície d’água cintilava e mudava de cor.
Um repto, ao caçador, a sarça bruta,
palma de mão fechada em cano frio,
cinto de brotos, artelhos frios,
caçador de joelhos,
a parede de folhas cintilava, não mudava de cor.
Lontras mudas, caça-e-pesca, lontras frias.
São, ao sul, as estrelas. São seus restos, a parada noturna –
câmbio de chaves, a cruz-ao-sul, os astrolábios,
o coração se argüia, o coração supérfluo,
vácuo, fluxo-e-refluxo, arcano, arcanjo,
ar carregado, arfante, a flor e o resto.
…
…
Túnel, pedra, tonel.
A mão sem luva,
a mão com chaga.
Mundo que sobe e desce,
mundo que sofre e cresce.
Mundo que principia, medra e finda,
mundo de fel e mel,
túnel, pedra, tonel.
E as dobras fartas
do manto sono
tombando em torno
do leito tempo –
e os dobres fortes
do pranto sino
troando em turnos
de luto e vento –
No fim do túnel, o princípio do túnel.
Na subida da pedra, a descida da pedra.
O tonel não tem fundo, a mão não chega às uvas –
Lida, caixão e sorte,
vida, paixão e morte.
…
MARGINAL POEMA 15
Item:
as estações
o que dela nos deixa capricórnio
rios cercando a folha
a nuca, a testa oblíquas sobre a folha
rios formam baía
rios param;
pinho, pasta, papel: creme de luz, luz creme
e tinta e noite e letra
o vácuo
é luminoso e flui
(é vago)
o negro é quem ocorre
e existe (exato)
obscuro
e obscuro igual a vago;
e da mesma maneira:
“deleitoso este livro neste inverno”;
neste, inverno, que mais
é primavera mais outono ou menos
o que em tudo persiste de verão
de luz sobre as baías: de ar molhado
sem peixes, com gramados
e automóveis fluindo
e da mesma maneira:
“onde estou eu?”
ela pergunta (no filme)
e dessa mesma
maneira as estações;
ou o que nos deixa o bode com seus cornos
em riste arremessando contra a própria
folha final (impressa)
corroída de espaço
e tempo
(“encontro-te em tal rua, às tantas horas”)
e da mesma maneira:
– a moça atleta deixa
cair mangas douradas em seu curso;
– as praias afinal completaram seu cerco
do maroceano,
jornais enrolam périplos, viagens
detidas nas manchetes –
em torno de seu fel o cálice endurece;
– este passando fome;
– aquele injustiçado;
– esta prostituída;
– aquela analfabeta
– estes desempregados, aquelas
aquelas abortando
nós, vós, eles
ameaçados, engambelados –
e as pálpebras se fixam: nas palmeiras,
cocos de sal vergando cílios duros:
o relógio, a baía, mastros, números
e da mesma maneira:
a folha mais a folha mais, a folha
(papel, papel impresso)
parada de estações
retângulo de ser
e estar
item de preto igual a sono escuro
a tormenta soprava leste-oeste;
ou de ontem para hoje?
ou do norte para
amanhã?
ou do sul para sempre?
Ou do sul para sempre;
e da mesma maneira o dia: creme
salpicado de noite e nome:
aqui.
VIDA TODA LENGUAJE
Vida toda lenguaje,
frase perfecta siempre, tal vez verso,
en general sin adjetivos,
columna sin ornamento, en general partida.
Vida toda lenguaje
hay sin embargo un verbo, un verbo siempre, y un nombre
aquí, ahí, asegurando la perfección
eterna del período, tal vez verso,
tal vez interjección, verso, verso.
Vida toda lenguaje,
feto chupando en lengua compasiva
la sangre que un niño derramará-¡o metáfora activa!
leche chorreando de fuente adolescente,
semen de hombres maduros, verbo, verbo.
Vida toda lenguaje,
bien lo saben los viejos que repiten,
contra negras ventanas, imágenes centelleantes
que les estrellan turbias trayectorias.
Vida toda lenguaje-
como todos sabemos
conjugar esos verbos, nombrar
esos nombres:
amar, hacer, destruir
hombre, mujer y bestia, ángel y diablo
y dios tal vez, y nada.
Vida toda lenguaje,
vida siempre perfecta,
imperfectos sólo los vocablos muertos
con que un hombre joven, en las terrazas del invierno contra la lluvia,
intenta hacerla eterna-como si le faltara
otra, inmortal sintaxis
a la vida que es perfecta
lengua
eterna.
FRAGMENTOS DE UNA OBRA EN PROGRESO (1958-1962)
…
Cambiante floresta, río, joyas,
un chorro de garzas brotaba
el pescador se erguía
los labios contra la urna
y la palmera llovía luz-de-sol
y la superficie del agua centelleaba cambiando color
Un reto, al cazador, la zarza bruta,
palma de mano cerrada en caño frío,
cinto de brotes, tobillos fríos,
cazador de rodillas,
la pared de hojas centelleaba, sin cambiar color.
Nutria muda, caza-y-pesca, nutrias frías.
Son, al sur, las estrellas. Son sus restos, la parada nocturna-
cambio de llaves, cruz-al-sur, los astrolabios,
el corazón se convencía, el corazón superfluo,
vacío, flujo-y-reflujo, arcano, arcángel,
aire cargado, jadeante, la flor y el resto.
…
…
Túnel, piedra, tonel.
La mano sin guante,
la mano con llaga.
Mundo que baja y sube
Mundo que crece y sufre.
Mundo que principia, medra y acaba,
mundo de hiel y miel,
túnel, piedra, tonel.
Y los dobleces hartos
del manto sueño
cayendo en torno
del lecho tiempo-
Y el doblar fuerte
del llanto campana
tronando en turnos
de luto y viento-
Al final del túnel, inicio del túnel.
En la subida de la piedra, la bajada de la piedra.
El tonel no tiene fondo, la mano no llega al ante –
Brida, cajón y suerte,
vida, pasión y muerte.
MARGINAL POEMA 15
Ítem:
las estaciones
lo que de ella nos deja capricornio
ríos rodando la hoja
la nuca, la testa oblicuas sobre la hoja
los ríos forman bahías
los ríos se paran;
pino, pasta, papel: crema de luz, luz crema
y tinta y noche y letra
el vacío
es luminoso y fluye
(es vago)
lo negro es quien ocurre
y existe (exacto)
obscuro
y obscuro igual a vago;
y de la misma manera:
“deleitable este libro en este invierno”;
en este, invierno, que es más
es primavera más otoño o menos
lo que en todo persiste de verano
de luz sobre las bahías: de aire mojado
sin peces, con gramilla
y automóviles en curso
y de la misma manera:
“¿dónde estoy?”
ella pregunta (en la película)
y de esa misma
manera las estaciones;
o lo que nos deja la cabra con sus cuernos
enhiestos arrojando contra la misma
hoja final (impresa)
corroída de espacio
y tiempo
(“nos vemos en tal calle, a tal hora”)
y de la misma manera:
–la chica atleta deja
caer las mangas doradas en su camino
–las playas al final completaron su ciclo
del mar-océano,
los periódicos enrollan periplos, viajes
suspendidas en los titulares—
en torno de su hiel el cáliz endurece;
–éste pasando hambre;
–aquél injusticiado;
–ésta prostituida;
–aquélla analfabeta
–éstos desempleados, aquéllas
aquéllas abortando
nosotros, ustedes, ellos
amenazados, engatusados-
los párpados se fijan: las palmeras,
cocos de sal doblando ojos duros:
el reloj, la bahía, mástiles, números
y de la misma manera:
la hoja más la hoja más, la hoja
(papel, papel impreso)
parada de las estaciones
rectángulo de ser
y estar
ítem de negro igual a sueño oscuro
la tormenta soplaba de este a oeste;
¿o de ayer hacia hoy?
¿o del norte hacia
mañana?
¿o del sur hacia siempre?
O del sur hacia siempre;
y de la misma manera el día: crema
salpicada de noche y nombre:
aquí.
Fragmento (ensayo) de una obra en progreso
[29/6/1958]
Traducción del portugués: Odile Cisneros