Nothing the sun could not explain: 20 Contemporary Brazilian Poets, 312 páginas, $ 15.95, Michael Palmer, Régis Bonvicino and Nelson Ascher, editores (Sun & Moon Press, 1997). O livro esgotou sua primeira edição em dois meses, nos EUA, estando agora na segunda, que pode ser adquirida via Amazon Books ou na Livraria Cultura.
Tenho um amigo que diz detestar coletâneas musicais, pois, de modo geral, é difícil, se não impossível, reconhecer nelas os artistas escolhidos. Na verdade, se partirmos dessa constatação pessoal para um terreno mais amplo, é possível observar que todo criador é um bicho esquivo, escondido num lugar difícil entre as suas obras – nem que, paradoxalmente, tenha deixado um único livro, um único canto. A arte é, por natureza, intervalar, o que dificulta qualquer seleção representativa da obra de um determinado autor, num quadro que se complica com o fato de que todo produto artístico não é uma via de mão única, mas deve por natureza possibilitar uma ampla diversidade de leituras. Esse problema é ainda mais acentuado quando se encontram num mesmo espaço artistas diferentes, caso em que se pode construir a impressão de um conjunto aleatório e sem sentido, principalmente quando alguns deles têm a sua produção ainda em trânsito. Nessa situação, é tão grande o risco de o organizador se encontrar na perda daqueles que busca, quanto de que tudo se resolva num grande vácuo onde não se encontrem nem um nem outros.
Em outras palavras: quais obras podem representar, num dado contexto, um determinado autor, se, como foi dito, ele não se encontra em nenhuma delas nem em seu conjunto, mas entre elas? Se o que importa é mostrar não a obra acabada (coisa inexistente), mas uma possibilidade de construção? Como capturar um movimento que não se completa nunca? Como justificar a aproximação de diferenças, sem que elas se percam ou se diluam num conjunto aleatório, capaz talvez de representar um gosto pessoal, mas não de construir uma possibilidade interpretativa?
Parece-me que, no embate dessas dificuldades, é possível buscar fundamentos para a leitura e apreciação de antologias coletivas. Na verdade, ao encontrar um trabalho desse tipo, convém que lhe prestemos atenção se ele preserva pelo menos um pouco dos autores escolhidos – não a sua inteireza, pois um artista inteiro é um não-artista, mas algo de seu movimento e da peculiaridade de sua indefinição. E se, além disso, conseguir encontrar uma personalidade própria, construir um recorte bem estabelecido, que, além de não sufocar os retratados, ainda seja capaz de justificar criticamente o modo por que foram representados, certamente estamos diante de uma boa antologia.
Esse, parece-me, é o caso de Nothing the sun could explain – 20 contemporarary Brazilian poets (Sun & Moon Classics, 1997), editada por Michael Palmer, Régis Bonvicino e Nelson Ascher. Trata-se de um livro que apesar de uma missão inicial bem clara – levar uma seleção da poesia brasileira dos últimos trinta anos para o público americano – , e talvez por causa dela, sem dúvida a transcende, na medida em que acaba se fazendo uma boa mostra de nossa produção poética contemporânea também para o público interno.
Como em toda antologia, há de se observar – mas não de se lamentar – certas ausências. Qualquer leitor pode se perguntar porque determinado poeta foi ou não escolhido. No meu caso, constato a não inclusão, por exemplo, de Sebastião Uchoa Leite, que apesar de ter surgido antes, em princípios dos anos 60, teve uma importante inflexão em sua obra no início da década seguinte, justamente no período abrangido pelo livro. 1 Muita gente também pode se sentir injustiçada por ter ficado de fora. Mas essa é uma característica de quaisquer antologias, que trazem sempre uma certa impressão de inacabamento e de amputação, por melhor que sejam – e que encontram mesmo parte do seu charme nessa peculiaridade natural, capaz de criar aquelas abertura e controvérsia sempre tão salutares para a literatura. Ausências e mesmo erros de julgamento são inevitáveis, principalmente quando se lida com o contemporâneo. Ler trabalhos desse tipo com um sentimento de perda ou procurando uma falsa totalidade só pode conduzir a equívocos. É preciso sempre ter em mente que, mais do descortinar panoramas – palavra sestrosa que pode lembrar tanto um pano de fundo quanto induzir a que se pense numa completude impossível – elas devem servir como amostras críticas.
Reconhecidas essas limitações naturais, tentarei explicar aqui porque considero Nothing the sun uma boa antologia. Nesse sentido, é preciso inicialmente mostrar como ela é capaz de construir essa personalidade própria ou escolha crítica de que falava há pouco. Para tanto, busquei três pontos de amarração, alguns mais explícitos no livro, outros menos, mas todos claramente discerníveis no espaço textual que se estende entre a introdução e os poemas: 1) a possibilidade de relação entre a poesia enfocada e o restante da literatura ocidental; 2) os pontos de corte que a antologia estabelece na tradição literária brasileira; 3) o tipo de linguagem poética privilegiada. Depois, buscarei mostrar o quanto, apesar dessa marca própria e também por causa dela, foram garimpados determinados traços individuais dos poetas eleitos que acabam por sustentar o conjunto escolhido, num enlace entre o exercício crítico dos organizadores e características objetivas do corpo textual amostrado.
Ao tomar Nothing the sun na mão, a primeira pergunta que me surgiu é que imagem de nossa poesia ela poderia levar para um estrangeiro. O título, ao mencionar o sol, tantas vezes associado a estereótipos a respeito do Brasil, poderia apontar para uma seleção feita apenas para inglês (ou americano) ver, tomada por esse tipo de exotismo com que os próprios brasileiros às vezes se contemplam. Mas logo a impressão foi desfeita pela lembrança de que “nada que o sol não explique” são palavras de um poema de Leminski que nada tem desse espírito, um poema antes marcado por certa “orientalidade” ao mesmo tempo em que, na sua aparente lhaneza, dialoga francamente com toda uma tradição poética ocidental, negando qualquer possibilidade de ser visto como fruto de uma falsa brasilidade de exportação, do tipo brazilian nuts. A mesma frase aparece no final da introdução à antologia, assinada por Bonvicino e Ascher, que traça um rápido histórico da nossa poesia a partir do Modernismo. No percurso desse texto, importante para a leitura do livro como um conjunto coeso e não uma mera colcha de retalhos, surgem, várias vezes, paralelos ou aproximações entre poetas do Brasil e outros mais conhecidos da literatura internacional, como que a sugerir que, apesar de brasileira, trata-se aqui de uma poesia em diálogo com um universo maior. A leitura atenta dele, antes mesmo de um contato com os poemas que o seguem, mostra que seria ledo engano atribuir à menção ao sol qualquer subserviência a uma falsa imagem tropicalizada do país. Na verdade, se a frase for colocada seja no contexto da introdução, seja diante dos poemas selecionados, ela assume mesmo uma espécie de sentido a contrapelo, uma espessura muito própria que não pode ser percebida se ficarmos numa aproximação superficial, se não apalparmos de maneira conveniente o conjunto de textos da antologia.
Logo no início da introdução, há uma assertiva que alguns podem achar ousada, outros banal: a moderna poesia que aqui se faz não é menos peculiar que o próprio Brasil. Isso poderia parecer também uma rendição à imagem do país “diferente”, numa acepção tendente àquilo que Octavio Souza já chamou de “resposta exótica”. 2 Mas o que se tem, na verdade, é a radical afirmação de uma diferença que não exclui o que é universal e se desdobra em todo o desenvolvimento posterior do texto, num jogo de alteridade/identidade, às vezes sutil, às vezes mais explícito .
Observe-se o que é dito logo depois da afirmação desse elo entre a poesia e o país: “O Brasil é uma nação latino-americana, mas isso não é totalmente verdadeiro. Seria mais correto dizer que o Brasil é realmente a outra face do continente sul-americano, mais desconhecida do que escondida. E o mesmo poderia ser dito da literatura do país em geral e da poesia em particular”. Se considerarmos que, para um norte-americano, a própria América Latina já é marcada por uma profunda diferença, o Brasil e a sua literatura parecem assim algo como o avesso do avesso do avesso, realidades excêntricas, marginais. Contudo, em que consiste essa alteridade levada quase ao limite? Em algo estranhamente próximo àquilo que é o seu outro. Isso me parece claro nos passos seguintes do texto, com o constante retorno às raízes ocidentais de nossa literatura e às semelhanças que ela guarda em relação aos grandes nomes europeus e norte-americanos, sem que, todavia, perca a sua especificidade, a sua marca própria: o barroco ibérico, o arcadismo italiano, o romantismo francês encontraram seu espaço no Brasil, mas sempre desviados para um “caminho altamente original”; em nosso Modernismo, prevaleceu a influência francesa, mas com toques do Futurismo italiano; no caso da obra de Sebastião Uchoa Leite (que, como já disse, não se encontra representado na antologia), fala-se da erudição de um Paul Valéry combinada com os comics e o cinema americano. Nessa seqüência de exemplos – a despeito de alguns paralelos retóricos necessários para facilitar a compreensão de alguém que conheça, por exemplo, Valery, mas não Sebastião Uchoa -, temos, sem dúvida, ao mesmo tempo, a emergência de um fato, a demanda de uma filiação e a afirmação de um nome próprio. Não uma comprovacão de servilismo, mas uma declaração de proximidade na diferença. Assume, nesse sentido, um papel especial a citação de Oswald de Andrade que abre o livro, antes mesmo da introdução:
Quando o português chegou
Debaixo de uma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português
Instaura-se, a partir da recuperação desse poeminha tão cheio de possíveis deslocamentos, um jogo muito interessante. Trata-se aqui de “Erro de Português”, um dos Poemas menores de Oswald. Esse poema é ele mesmo uma espécie de leitura à contrapelo da antropofagia, uma correção de certo tom ufanista e paradisíaco que às vezes a tomou, na medida em que se fala aqui não propriamente da adaptação do colonizador à nova terra (a sua devoração mais visível), mas de uma forma de colonização dos primitivos habitantes do país pelo invasor estrangeiro. A própria língua em que o poema é vazado não deixa de ser uma vestimenta que nos legaram nossos avós ibéricos. Mas o que se tem é uma realidade complexa: ao mesmo tempo que traz um lamento pelo “erro” do português em aportar aqui num dia de chuva, impedindo a felicidade de uma nudez solar, não se pode ler o poema em todos os seus matizes se esquecermos que esse “erro” acaba se configurando também no fato de que, a partir desse momento, nada foi como antes: o índio vestido deixou de ser o possível Adão dos trópicos, mas as roupas importadas, ao vestir a pele morena daquele que, de uma forma ou outra, continuava não-português, passaram a ser uma outra coisa, diferentes do que foram na Europa – não deixaram de ser também “devoradas”, em suma. É na intersecção desses dois movimentos não excludentes, mas paradoxalmente complementares – a devoração e a colonização – que pode ser realmente produtiva uma noção como a de antropofagia.
Essa antítese entre chuva e sol acaba sendo recuperada, fantasmaticamente, pelo título da antologia. Quando ele traz novamente o sol à cena, é possível pensar em um desnudamento brasileiro daquilo que veio de fora, em oposição a uma mera importação de modelos estrangeiros para serem vestidos pelos poetas nacionais, numa espécie de correção do “erro de português” (e lembre-se aqui “O sol” de Carlos Ávila, incluído em Nothing the sun, no qual Baudelaire é descolorido pelo sol do sertão). Todavia, o poema de Oswald, na entrada do livro, é um porteiro feroz, a lembrar que, queiramos ou não, o “erro” já aconteceu e não há como sonhar algo diferente. O que vem de fora é adaptado ao Brasil, mas é impossível pensar que o recebamos sem que nós mesmos sejamos mudados.
Essa questão é importante para a compreensão de uma antologia que se propõe a levar a poesia brasileira para o leitor estrangeiro. As referências a parâmetros internacionais fazem-na mais compreensível para esse público, ao mesmo tempo que impedem que seja vista como algo exótico, ao passo que a lembrança de que esses parâmetros foram deslocados por ela (o que está implícito na reiterada afirmação de originalidade) é importante para que seja percebida em sua diferença e não como mera tributária de modelos estrangeiros. Isto é, há algo de próximo em nossa alteridade, mas esse próximo já é um outro – e só essa constatação pode impedir que o que deveria ser diálogo transforme-se em monólogo ou incompreensão. O brasileiro não é o índio, mas o que resultou do encontro dele com o português. Entretanto, a questão não deixa de ser também importante sob uma ótica mais geral, além do que seria uma mera leitura por um público externo, na medida em que mostra que há sempre algo do outro em nossa própria diferença, o que é capital para a interpretação disso que podemos chamar de literatura brasileira. É como se, ao tentar nos olhar com olhos que vêm de fora, pudéssemos nos reconhecer melhor. Esse diálogo entre o brasileiro e o estrangeiro não se encontra, porém, apenas na epígrafe de Oswald e na introdução. “Toda a vida da cultura é uma série contínua de traduções (…), empréstimos, heranças, débitos” – lembrou, certa feita, Paulo Leminski. Essa, talvez, seja uma constatação óbvia, mas o que talvez não seja suficientemente óbvio ainda é o reconhecimento disso no momento da construção textual, seja de um poema, de um romance ou de uma antologia (esse difícil texto novo que, em certa medida mais do que os outros, deve ser capaz de recuperar os anteriores). No caso dos poemas selecionados em Nothing the sun, além do diálogo com uma “tradição” brasileira – como o resgate e projeção num outro contexto da poesia de Drummond em “Let’s play that” de Torquato Neto ou o ressoar da voz oswaldiana em vários dos poetas antologizados – há uma evidente aproximação também com a poesia e a cultura internacionais. Isso acontece tanto pelo acúmulo de referências mais explícitas a artistas de projeção mundial ou pelo uso de epígrafes retiradas de suas obras – Homero, Rimbaud, Ungaretti, Éluard, num poema de Leminski; Picasso, Cézanne, Matisse, Seurat, em “A desordem de” de Bonvicino; epígrafes de Celan e Heine em poemas de Nélson Ascher, entre outras ocorrências -, quanto por meio da abertura de possibilidades de diálogos mais ou menos implícitos entre os textos brasileiros e vozes estrangeiras. Usar esse termo – “diálogo” – é, no caso, bem mais apropriado, do que procurar influências conscientes ou inconscientes. Todavia, é possível pensar a poesia de Torquato Neto em conversa, por exemplo, com um certo Cummings e com a música pop da virada dos anos sessenta para os setenta. Ou a de Leminski por meio de um enlace entre Whitman e a poética dos haicais japoneses. Ou a de Bonvicino em uma sutil aproximação com uma determinada fase de Eliot ou Pound e, mais obviamente, com Robert Creeley. Como já observou Guy Bennet, por toda a antologia encontram-se eco de autores como Mallarmé e Rimbaud.
Essa é uma seqüência de ligações – algumas mais, outras menos evidentes – que coloca uma série de questões bastante delicadas: como é que Auschwitz devorado por Bashô (penso aqui num dos poemas de Leminski) pode ser brasileiro? A antropofagia prescinde então de índios e de cocares? A devoração, nesse sentido, não é um traço universal? Se essas são questões importantes (podem ser ou não; no caso, são, pois afinal estamos falando de uma “antologia da poesia brasileira” e não de uma “antologia de poesia”), cumpre arriscar uma resposta. E a que Nothing the sun parece dar é que, embora válida para qualquer poesia, a antropofagia é um traço diferencial e constitutivo da nossa própria produção poética, aquele por meio do qual ela gera a sua diferença, capaz de colocar numa mesma cena não só os vários poetas, mas as próprias poesias brasileira e universal, criando um campo de semelhanças em que é possível reconhecer todas essas diferenças – entre o que é brasileiro e o que não é, entre os diversos brasileiros. 3 E isso sem que se façam necessários índios, jecas, cangaceiros, baianas, praias – tudo isso que normalmente é associado ao Brasil. E o sol, nesse caso, só pode surgir desenhado com uma certa ironia, difratado entre duas imagens literárias, a de Oswald e a de Leminski. Essa opção por uma visão internacionalista e antropofágica da poesia brasileira, contudo, não é a única a amarrar Nothing the sun could not explain. A escolha de Oswald para epigrafá-la aponta para algo que a introdução também pontua logo de início. Como já foi dito, o texto cita uma série de movimentos literários – Barroco, Arcadismo, Romantismo – , reconhecendo o quanto eles tiveram de originalidade no Brasil, mas elege o Modernismo para começo da história que quer contar, numa outra opção que nada tem de gratuita. O Modernismo é apresentado como fonte de dois importantes legados para a literatura brasileira: “um inerradicável não-conformismo em face da complacência provinciana, que buscou refutar qualquer ligação necessária entre o subdesenvolvimento econômico, político e social e o estado das artes; e um incremento de frutíferas relações entre os vários ramos artísticos” (p. 25). É de se observar que esse trecho estabelece um corte bastante significativo na história literária brasileira. O “não conformismo diante da complacência provinciana” aponta para um tipo de rompimento de fronteiras; o incremento de relações entre as artes, para outro. É interessante notar ainda que a recusa de uma ligação entre a realização artística e o subdesenvolvimento sócio-econômico deixa claro que a aproximação inicial entre a peculiaridade do país e a de sua literatura não repousa nessa espécie de questão, não tem qualquer viés determinista, mas implica uma relação bem mais complexa. O encontro entre as artes, por sua vez, parece desenhar algo que será uma característica dominante de nossa literatura durante todo o século, para desaguar de maneira firme no período antologizado. Esse diálogo interartístico é frisado, na introdução, não só no que se refere ao Modernismo propriamente dito, mas ao Concretismo, à Bossa Nova, ao Tropicalismo e a diversos poetas incluídos em Nothing the sun – o que faz dele um traço de suma importância para a leitura do livro. Esse outro campo de similaridade que se estende entre os poetas antologizados – o de sua dívida com o Modernismo – faz-nos entrar no segundo ponto que destaquei para caracterizar Nothing the sun, o do recorte que ela faz em nossa história literária. Na verdade, a mencionada introdução defende a idéia de que haveria uma mainstream na literatura contemporânea brasileira, definida a partir de um elenco de preocupações e de procedimentos técnicos advindos da revolução modernista. Essa linha de filiação é tão fortemente desenhada que Bonvicino e Ascher chegam a dizer que, neste século, “o sucesso dos talentos individuais tem dependido de sua adesão – deslumbrada ou crítica, alegre ou indisposta – a uma lista mínima de propostas modernistas” (p.30), de tal sorte que os poetas ou são “modernistas ou irrelevantes” (idem). Afirmações como essas podem assustar por um certo tom peremptório, necessário no caso. Recentemente, em editorial da revista Medusa, Ademir Assunção, Ricardo Corona e Rodrigo Garcia Lopes reclamaram desse tom, propondo, para descrever a poesia contemporânea, não a imagem de uma mainstream, mas uma outra emprestada de John Cage, a de um delta de rio, dadas as multiplicidades de caminhos nela existentes. Essa figura me parece bastante interessante – embora tenha a inequívoca limitação de que um delta, de certo modo, é um fim de linha -, tendo em vista que o que se constata hoje é realmente uma profusão de caminhos alternativos e de procedimentos poéticos diferentes. Todavia, no caso, não me parece que se trata de uma relação de exclusividade imagética. Na verdade, é difícil negar que, se na atualidade existe uma intrincada teia de opções poéticas – de que Bonvicino e Ascher fazem um mapeamento parcial ao falarem dos paradoxos da poesia contemporânea -, ela pertence ao rio modernista, como desaguadouro múltiplo de uma corrente anterior, ela mesma marcada na origem por uma multiplicidade de caminhos alternativos.
É impossível pensar em qualquer uma das manifestações relevantes de nossa literatura neste século sem lembrar o modernismo – que também não pode ser pensado como uma realidade homogênea e sem jaça. Autores tão díspares como Carlos Drummond, João Cabral, Guimarães Rosa, Vinícius de Moraes, Murilo Mendes, Jorge de Lima, Edgard Braga, Raduan Nassar, João Ubaldo Ribeiro, Valêncio Xavier, Wilson Bueno não poderiam ter existido ou seriam consumidos de forma diferente, se não tivesse acontecido o Modernismo. Manifestações tão diferentes quanto o apolíneo e cerebral concretismo da primeira hora ou o desbunde tropicalista não teriam espaço sem ele, como desdobramentos de suas virtualidades. Que as análises dessa questão não podem ser simplificadas, provam-no, por outro lado, que Haroldo de Campos, um dos pais do concretismo, tenha escrito algo como as Galáxias, ou que o tropicalismo e o concretismo, tão diferentes, tenham ao mesmo tempo tantos pontos de contato – evidentes indicações de que, no caso, há possíveis parentescos entre as diferenças além de criativas diferenças entre as semelhanças. E de que essa filiação modernista não acontece de uma única maneira, num tráfego controlado, dá conta, embora de modo inevitavelmente parcial, a lista de adjetivos usada por Bonvicino e Ascher para qualificar as formas de adesão dos poetas contemporâneos aos pressupostos do movimento – “deslumbrada ou crítica, alegre ou indisposta”. Forma de adesão crítica, por exemplo, é a vigorosa prosa poética de Leminski no Catatau, com sua paródia ao mesmo tempo laudatória e virulenta de uma certa noção de vanguarda, tão cara a tantos movimentos que se estenderam entre a Semana de 22 e os meados da década de sessenta.
Há controvérsias entre os teóricos do pós-moderno, com alguns deles apontando esse momento histórico como ampliação dos pressupostos do modernismo e outros como oposição a ele. Todavia, no caso do Brasil, se é possível falar em pós-modernismo a partir dos anos 70, ele é um ultra-modernismo e nunca um anti-modernismo. E se ele oferece alguma reação a momentos particulares da modernidade, é antes aos exageros construtivistas do alto modernismo do que aos arroubos das primeiras vanguardas do século – embora, tais arroubos tenham sido devidamente temperados pela passagem da História, o que se pode perceber, por exemplo, na existência de um evidente rigor no tratamento da linguagem em grande parte dos poetas dos 70 para cá, depois de passados os arroubos iniciais da marginália. Afinal, coloquialidade – esse traço tão marcante do primeiro modernismo – não quer dizer, de modo algum, desleixo. Reconhecido o posicionamento estético pró-modernista de Nothing the sun could not explain, cumpre observar que o seu próprio recorte temporal, iniciado na década de 1970, é bastante significativo para posicionar as suas escolhas no quadro geral da história literária brasileira. Tanto na introdução, quanto no prefácio de João Almino, o livro é apresentado como uma espécie de continuação de uma antologia anteriormente publicada nos EUA por Elizabeth Bishop e Emanuel Brasil (An Anthologogy of Twentieth-Century Brazilian Poetry), que chega até Ferreira Gullar, sem incluir os concretos. A introdução cita ainda uma outra antologia organizada por Emanuel Brasil, Brazilian Poetry: 1950-80, que traz, entre outros, Haroldo de Campos, Augusto de Campos, Décio Pignatari e Mário Faustino. Na verdade, então, Nothing the sun coloca-se num ponto de intersecção entre ambas e, comparada a elas, inclui uma novidade: a década de 70. E esse é um momento bastante significativo, pois marca o fim das vanguardas, tal como vinham sendo entendidas desde o primeiro modernismo (antropofagia, verde-amarelismo, Grupo da Anta, etc.) até as décadas de 50 e 60 (concretismo, neoconcretismo, poema-processo e outros). A década de 70 está mais para os paródicos “Minifestos” publicados por Leminski na revista Qorpo Estranho do que para manifestos propriamente ditos. Esse esgotamento das vanguardas, já observado em várias ocasiões (e, como vimos, encenado parodicamente pelo Catatau de Leminski), todavia, mais do que representar uma perda de força do modernismo, aponta para uma revisão crítica de alguns de seus pressupostos e para a retomada criativa de muitas de suas bases, de tal modo que a concisão e o tom coloquial-irônico de grande parte da poesia desse período podem muito bem ser lidos a partir dessa constatação. Por isso, talvez, a multiplicidade de linhas de força e os paradoxos entre os quais se inscreve a poesia brasileira a partir daí, multifacetando-a e tornando praticamente impossível ou pelo menos ocioso tentar descrevê-la em termos de escolas, movimentos ou grupos. E essa impossibilidade pode ser percebida na leitura dos poemas de Nothing the sun, cujos autores parecem resistir a qualquer enquadramento redutor. Torquato Neto saiu das fileiras do Tropicalismo, mas esse movimento do final dos anos 60, como já observei em outra ocasião, foi mais uma paródia das vanguardas tradicionais (esse quase-oxímoro é bastante significativo) do que uma delas, marcando na verdade um ponto de inflexão. 4 Alguns dos poetas da antologia são colocados por certos críticos nas hostes da Poesia Marginal, mas esse nome – na verdade muito aberto, quase escancarado – é antes um rótulo para designar um fenômeno cultural do que um movimento colocado sob a guarda de uma bandeira, como eram as vanguardas modernistas.
A variedade de caminhos em que se desdobrou a nossa poesia desde o início dos 70 faz pensar, inclusive, que falar de apenas uma poesia no Brasil, nesse momento, é algo bastante impreciso. Tal variedade, mais do que distribuída na superfície dos poemas, pode ser vista na amplitude de linguagens de que lançam mão as práticas poéticas contemporâneas. A partir da virada dos anos 60 para o 70, podem-se distinguir, nesse sentido, pelo menos, quatro vertentes na produção poética brasileira. A divisão aqui é apenas didática e, obviamente, um tanto voluntariosa, tendo em vista as fronteiras naturalmente imprecisas no mundo real e o fato de que, há cada vez, mais uma interpenetração das linguagens artísticas. Todavia, a diferença de suportes entre os vários universos criativos é, inquestionavelmente, uma realidade a exigir tratamentos poéticos e críticos diferenciados, de modo que as possibilidades de cada meio sejam exploradas em seu limite máximo por linguagens camaleônicas, plenamente adaptadas aos variados propósitos e materiais. Assim, verificado esse fato, podem-se distinguir, pelo menos, os seguintes desdobramentos na produção poética dos anos 70 para cá: 1) uma poesia que sob o influxo da Poesia Concreta – e muitas vezes contra ela – praticamente desligou-se pouco a pouco do milenar universo da palavra, migrou para diversas formas de design de signos e caminhou da página de papel para suportes variados, inclusive eletrônicos, inicialmente com ênfase na visualidade, como foram os casos da Poesia Semiótica de Décio Pignatari e do Poema-Processo de Wlademir Dias-Pino, incorporando cada vez mais, a partir de certo momento, elementos sonoros e performáticos – como acontece com as atuais poéticas digitais-, com a Vídeo Poesia – explorada, entre outros, por Arnaldo Antunes – e com a chamada Poesia Sonora; 2) uma produção que abandonou o universo dos livros e das revistas, para invadir o da nova canção popular desenvolvida no quadro geral de urbanização do país e de aliança entre a indústria do disco e a TV, para florescer no intervalo entre a palavra e uma forma de música radicalmente criativa, desfolhada em camadas sonoras. Essa é uma poesia que naturalmente não pode resistir apenas como palavra impressa, visto que se produz na interação de um dado tipo de oralidade e uma musicalidade que não pode prescindir, na maioria das ocasiões, do complemento verbal, ainda que esse, muitas vezes, transfigure-se em apenas uma possibilidade sonora a mais, como em certas criações de Jorge Ben; 3) uma outra manifestação poética – a mais efêmera seja pela repercussão de seus efeitos seja por sua duração histórica, pois deixou de fazer sentido em certo momento entre os meados da década de 70 e o início dos anos 80 -, é a que pode ser chamada de poesia do gesto, em oposição a uma poesia dos signos mais diretamente voltados para elementos sensórios ou para uma elaboração claramente logopaica: não “literária” por natureza, ela resolve-se muitas vezes entre uma palavra largada, meio abandonada, e o que poderíamos chamar de uma “estética do gesto ou da conduta”, no sentido que Jean Galard deu a esse termo em A beleza do gesto (La beauté du geste: pour une esthétique des conduites). Lê-la fora de seu contexto, buscando uma resolução literária, carrega um equívoco de origem, tal como acontece se tentarmos fazer o mesmo com grande parte da poesia da música popular, pois ela reside mais num dado comportamento, considerado como elemento estético, do que no resultado escrito que ficou nos livros e panfletos – boa parte pífio do ponto de vista da invenção textual – e procura fazer antes a arte diluir-se na vida que capturar a vida na arte ou fechar-se em si mesma. É um problema estético (embora seja radicalmente “não estética” no sentido tradicional de busca do belo), histórico e sociológico, mas não propriamente literário. Isso se aplica à boa parte da produção marginal e deixou ecos mesmo em alguns momentos de poetas tão sólidos do ponto de vista textual como foram Torquato Neto, Ana Cristina Cesar e Paulo Leminski; 4) finalmente, a última vertente de linguagem da poesia brasileira, nesse quadro explicativo e obviamente simplificador que tento traçar, é aquela que continuou operando nos limites sempre expandidos da palavra escrita, procurando libertá-la de um certo ranço “literário” e da clausura dos modelos poéticos históricos. Para isso, teve e tem de dialogar muitas vezes com todas as outras vertentes, apropriando-se de suas conquistas: da poesia de índole mais visual, incorporou um sentido apurado de exploração da página e das potencialidades gráficas dos caracteres; da poesia da música popular, o tom coloquial e a sensibilidade para o desenho melopaico das palavras; da poesia do gesto, a retomada de um certo lirismo (que muito deve também à música popular) e a superação do ensimesmamento que tomara certa produção poética anterior. Torna-se, assim, uma poesia que apesar de privilegiar um dado universo sígnico (o da palavra) pode tornar-se trans-semiótica como as demais, flertando não só com as demais vertentes aqui descritas, mas também com as artes plásticas, o cinema, os comics, posicionando-se muitas vezes como uma autêntica poesia de intersecção, caixa de ressonância de todos os mundos com que dialoga. Nesse movimento, recupera também muito do vigor do primeiro modernismo, não como revival acrítico, mas como essa retomada marcada pela história de que já falei anteriormente.
De que todas essas poéticas podem reivindicar seu espaço e tiveram ou têm um papel a cumprir não há dúvidas. De que as suas fronteiras muitas vezes são difusas, também não há. Que todas são herdeiras do modernismo, por via direta ou bastarda, é indubitável, podendo mesmo ser lidas como ramos paralelos de uma mesma linhagem.
Isso que chamei de poesia da palavra escrita é, claramente, a privilegiada por Nothing the sun could not explain. Alguns dos poetas abordados circulam sem cerimônia de um universo para outro (são os casos, por exemplo, de Lenora de Barros e Arnaldo Antunes); outros trabalham de modo mais constante de um único lado da fronteira, mas procurando sempre empurrar os seus limites numa ou noutra direção (quando não em várias, como sãos os casos de Leminski e Torquato Neto).
Desse modo, temos aqui o último elemento que me faltava para caracterizar a seleção da antologia. Em resumo, pode-se dizer que a poesia colocada em amostra atende, de modo geral, aos seguintes requisitos: uma atenção mais ou menos marcada, ao seu lugar num contexto literário e cultural que ultrapassa as fronteiras nacionais, colocando-se diante da tradição literária do Ocidente (e aqui incluo autores que, ainda que originários do Leste, como Bashô, foram incorporados, de algum modo, a um certo cânone mundial); uma linha de filiação bastante clara ao modernismo brasileiro, mais notadamente ao que poderíamos chamar de uma vertente antropofágica despida de qualquer tentação de exotismo; a superação do conceito histórico de vanguarda, mas sem descartar a busca necessária da inovação; um predomínio do elemento verbal mais claramente caracterizado, quase sempre guardando marcas de diálogos com outros universos sígnicos. E é esse conjunto de características que permite situar as escolhas feitas e justifica os cortes nas obras desse ou daquele poeta, atendendo àquela necessidade de que falei no início deste trabalho de que as características individuais não sejam sufocadas na medida em que entram em ressonância com o conjunto da antologia.
É certo que esse movimento é mais feliz em alguns casos do que em outros, e não poderia ser diferente. Contudo, quase sempre, o resultado é bastante consistente. Veja-se, por exemplo, o caso de Torquato Neto: foram retratados, na amostra escolhida, seu diálogo com o modernismo (“Let’s Play That”), projetado em um novo contexto histórico; com a cultura internacional, seja numa derivação pop (o mesmo “Let’s Play That”) ou mesmo erudita (Descartes, em “Cogito”; Cummings em vários poemas); com as poéticas que exploram mais profundamente a visualidade (os poemas das páginas 42 e 44, por exemplo); com a canção popular (“Let’s Play That” e o poema da página 48). Na parte referente a Leminski, apesar do abandono dos poemas em que ele se aproxima mais do concretismo (vertente de que há evidente resquício em “Olhar paralisador n. 91”), existe uma notável representação de sua carreira no que ela tem de mais significativo, distribuída entre a concisão do haicai (o poema já citado sobre Auschwitz) e um certo diálogo com a MPB (“Verdura”, que, a despeito de ter sido musicado, certamente resiste como poesia puramente verbal, assim como “Let’s Play That” de Torquato Neto), numa amostra de uma obra que não se esgota na visão juvenil e fácil com que às vezes é abordada, mas é capaz de uma conversa sutil e bastante consciente com o que há de mais representativo na poesia mundial e com seus antecesssores no Brasil. Finalmente, para pegar apenas mais um exemplo, no caso de Arnaldo Antunes, criador com uma trajetória eminentemente trans-midiática e inter-sígnica, se a seleção deixa de lado seus trabalhos menos verbais – confirmando mais uma vez o que foi dito a respeito de uma opção pelo que chamei de poesia da palavra – é, contudo, bastante representativa de sua produção no que ela tem de contato com as poéticas da visualidade e com uma música popular rompedora de paradigmas, temperada com acentos eruditos, como fica claro em “poema musicado”. Em suma, o que se vê quase sempre em Nothing the sun could not explain é uma poesia de teor altamente dialógico, em conversa não só com os mais diferentes universos artísticos e possibilidades poéticas, mas também com o que se poderia chamar de uma tradição brasileira e internacional que é “devorada” e devolvida como inovação.
Nesse conjunto, como unidade e material básico para a composição poética, destaca-se o verso, predominantemente curto – mas sem esquecer seja as suas possibilidades de alongamento, como nos casos de Josely Vianna Baptista e Horácio Costa, sejam os jogos entre brevidade e derramamento, como em Waly Salomão. Mesmo composições que aparentemente rompem com ele, pela incorporação de elementos fortemente visuais, como o “poema musicado” de Arnaldo Antunes e o de Lenora de Barros na página 156, na verdade dependem, até certo ponto, dessa formação discursiva, no que têm de escandido e rítmico. Esse fato revela mais uma forma de renovação da tradição, depois daquele momento tático em que o concretismo decretara a morte momentânea do verso, e mostra algo que parece quase um consenso entre os poetas contemporâneos: a superação da idéia de progresso e ruptura típica das vanguardas, abrindo espaço para aquilo que Leminski chamou de uma “época total”, em que a inovação sempre necessária à arte não precisa significar necessariamente o sepultamento do passado e nem o abandono de materiais tradicionais da criação artística.
Sem dúvida, em Nothing the sun could not explain, temos uma ampla variedade de propostas poéticas, configuradas em trabalhos de qualidade diferente, mas todas reunidas em torno daquilo que Guy Bennet identificou como uma “autoconsciência poética”, que, no caso, entendo forjada em torno dessas questões que vimos discutindo até aqui. Propostas que, se não dão conta da totalidade da produção dos poetas do Brasil nos últimos trinta anos (até que ponto essa pode ser conhecida na íntegra?), certamente representam de modo consistente e certeiro uma parte significativa dela.
O livro tem uma moldura temporal precisa, mas, até mesmo em decorrência dos critérios escolhidos para a sua amarração, privilegia uma abordagem sincrônica, ainda que plena de historicidade . Poderia ter escolhido outro caminho, buscando realçar mais, por exemplo, as diferenças entre a poesia dos anos 70 e a dos anos 90. Todavia, como já disse no início deste trabalho, muitos podem ser os critérios de organização de uma antologia, que jamais pode posar de porta-voz da verdade, mas deve antes ostentar uma coerência interna que, embora necessariamente atada à realidade textual e histórica que recorta, não se pode pretender totalitária. E isso Nothing the sun o faz muito bem. Cabe a nós, leitores, preencher os seus “vazios”, seja buscando aspectos outros que possam ser capturados na própria seleção textual do livro, seja utilizando-a para ir além, na procura de outros poemas e de outras vozes que possam complementá-la. E inclusive para essa última opção o livro se mostra importante, ao apostar não só em autores como Paulo Leminski, Ana Cristina Cesar e Torquato Neto, que se não estão incorporados ao cânone brasileiro certamente gozam de prestígio entre larga parcela do público de poesia, mas também em nomes ainda em consolidação, como Carlito Azevedo, Josely Vianna Baptista e Claudia Roquette-Pinto, que certamente estão sendo apresentados pela antologia a muitos leitores.
Para encerrar, gostaria de reafirmar que Nothing the sun could not explain pode servir, de modos diferentes mas produtivos, para um público tanto externo quanto interno. No primeiro caso, pela inegável qualidade dos poetas selecionados – e que maneira mais inteligente, inclusive pelo que tem de oblíquo, de representar um país à margem como o Brasil do que algo tão marginal e tão universal quanto a poesia? No segundo, é preciso reconhecer que a tentativa de mostrar-nos para um outro é também um bom modo de nos reconhecer, principalmente quando ela estiver amparada por essa visão crítica que amarra grande parte da seleção desse livro iluminado por um sol nada paradisíaco, mas carregado de savoir-faire.
Romulo Valle Salvino
Notas
1. Essa virada que se pode observar na obra poética de Sebastião Uchoa Leite, já foi constatada por João Alexandre Barbosa em “Raro entre os raros”, apresentação para o livro A espreita.
2. Ver Souza 1994, 145-189. Vale observar, entretanto, que Souza inclui a própria antropofagia oswaldiana naquilo que denomina desse modo.
3. A respeito das relações entre a Antropofagia e a possível construção de uma identidade brasileira, ver Souza 1995, 172-189.
4. Já tratei rapidamente desta questão na introdução do livro Catatau: as meditações da incerteza.