Haroldo de Campos, uma das figuras centrais do século 20 brasileiro, vem de receber o Prêmio Octavio Paz de poesia, no México, e ganhar o Prêmio Jabuti com seu livro “Crisantempo”, de 1998 (ele recebe a estatueta hoje, em São Paulo). O recebimento do Prêmio Paz o lança como um dos que podem ser lembrados para o Nobel.
“Crisantempo” é sequência de seu livro anterior (para mim, até aqui, seu ponto mais alto), “A Educação dos Cinco Sentidos” (1985). E reexplora temas recorrentes em toda sua obra : leituras, metalinguagem e viagens.O verso curto é, igualmente, em “Crisantempo”, retomada direta das técnicas patenteadas por João Cabral de Melo Neto em “Psicologia da Composição” e “Antiode”, ambos de 1947. Cabral : “…Venha, mais fácil e/ portátil na memória,/ o poema, flor no/ colete da lembrança…”.
Os poemas de “Crisantempo” se estruturam como comentários, ora simplesmente anotando ou falando sobre pessoas, situações e coisas, ora analisando e criticando, inscrevendo-se, nessa última hipótese, as peças mais bem-realizadas, como, em “Yugen”, o belo “ideoplastia” : “Carmen/ faz um gesto/ de porcela/ ming /o universo/ pára/ pacificado/ na curva do seu/ dedo/ mínimo”. No caso, à exploração da cena japonesa, se acrescenta um elemento: o das canções de amor e amigo, da tradição galego-portuguesa. Na primeira secção do livro, há um texto também que incluiria entre os melhores, pois nos oferece o Haroldo despojado da erudição e teses militantes, que, tantas vezes, preenchem, apenas, espaço em seus poemas. É o à la William Carlos Williams “Paisagem mínima”: “Um jardineiro/ corcunda/ regando hortaliças/ _ nascente do verde/ no quintal/ solar”.
Os momentos menos felizes de “Crisantempo” são aqueles nos quais esse poeta, que elegeu o multiculturalismo, vê o manifesto no patente, como “sky-scrapers” e “taxistas búlgaros”, em Nova York, entre muitos outros exemplos. Ou em peças circunstanciais como “Satiricália” (Titãs) ou “Bufonaria Boteriana”, onde trocadilhos permanecem, ao contrário do efeito de choque almejado, somente trocadilhos ingênuos: “Pomposos policiais policiosos”.
Mas em “Crisantempo” há a voz do Haroldo mais contundente, que é o poeta mais denso de sua geração. Leia-se “Oportet”, poemas qoheléticos, “A Revolta dos Objetos”, “Rengaem Nova York”, “Yugen” e os poemas de Israel. Concluo com trecho de “Língua Morta”, que nos dá notícia da situação da poesia : “…O tempo copy desk tornou-me a escrita fosca/ desconstelou-me as letras amarela/ conjuração de alamaço decadente/ impossível de ler na lauda pardacenta/ um poema este poema em língua morta”.
Régis Bonvicino