Israel abandonou a Faixa de Gaza em 2005, depois de 38 anos de ocupação ilícita. No último dia 19, o Hamas propôs ao governo israelense uma prorrogação do cessar-fogo, avençado entre as partes por seis meses e relativamente respeitado por ambas. O Hamas derrotou, em eleições livres, o presidente da autoridade palestina Mahmud Abbas em 2007 e se apossou institucionalmente da área, excluindo os coirmãos do Fatah de seu governo. O Hamas nasceu em 1987, na cidade de Gaza, para combater a ocupação ilegal de Israel. Seu objetivo – legítimo – é o de criar um Estado muçulmano do rio Jordão até o mar, sem destruir Israel. A Faixa é um dos lugares mais pobres do mundo: equivale a um depósito de ferro velho. Já o Estado israelense é rico e poderoso, com braços fortes no mundo todo.
Há poucos dias, o Hamas lançou duzentos foguetes contra o sul de Israel. Existem duas razões muito claras para a retaliação, um verdadeiro excesso doloso na legítima defesa de seu território, atacado imprudentemente pelo grupo palestino. Haverá eleições em Israel em fevereiro de 2009. A candidata do Partido Kadima, Tzipi Livni, atual ministra das Relações Exteriores, está empatada com o ultradireitista (sionista) Benjamin Netanyahu. O ex-primeiro ministro kadista Ehud Olmert caiu por improbidade. O contra-ataque tem motivação eleitoral: a situação não pode demonstrar fraqueza, inclusive em consequência do episódio Ehud. A outra razão chama-se Barack Obama. Todo o espectro político de Israel apoiou John McCain, tanto que George Bush, o Napoleão III, o idiota, soltou nota, agora, acusando o Hamas de desencadear a guerra, poupando Tel Aviv. Obama vê a Palestina com olhos democráticos e sociais e apoia sua autodeterminação. Sabe que, sem solução em curto prazo para o conflito, a Faixa de Gaza vai se transformar em um celeiro de terroristas, prontos para agir nos Estados Unidos e em qualquer país da Europa – que condena o Hamas e o alista entre os grupos de terror.
O contra-ataque de Israel, que já matou civis e crianças aos milhares, criou uma situação sem controle na região. O Egito prepara-se, veladamente, para uma guerra contra Tel Aviv, por recear pressão muçulmana em suas fronteiras. O Líbano está em pânico. Os iraquianos, iranianos e afegãos fazem protestos contra a retaliação israelense por meio de panelaços. A Turquia teme nova revolta dos curdos do norte do Iraque – estimulados por este ato do Kadima. Os grupos terroristas têm agora mais um pretexto para surpreender o Ocidente com golpes mais do que condenáveis, como o de Mumbai na Índia.
O ataque aéreo israelense iniciou-se quando crianças palestinas saíam de seus colégios. Israel prepara-se para invadir a Faixa novamente, por terra e por mar. O Hamas avisa que vai lutar até a última gota de sangue. O editorial do El País de hoje afirma que “a retórica é um sucedâneo pobre para ação”, ou seja, que de nada adianta a mera condenação internacional dos atos do Kadima e do Hamas. Conclui que “não se divisa mais do que ódio e morte no Oriente Médio”. Ódio e morte que vão atingir também os países ocidentais em breve. Diante de impasse crônico do conflito israelo-palestino, veio-me à tona o trecho inicial do poema “Science fiction”, datado de 1961, de Carlos Drummond de Andrade: “O marciano encontrou-me na rua/ e teve medo de minha impossibilidade humana./ Como pode existir, pensou consigo, um ser/ que no existir põe tamanha anulação da existência?”.