Vem de sair o excelente “Ungaretti / Daquela Estrela à Outra”, coletânea de poemas do ítalo-egipício Giuseppe Ungaretti, organizada por Lucia Wataghin, com traduções e também ensaios de Aurora F. Bernardini e Haroldo de Campos, este morto em agosto de 2003. Recentemente, ainda em 2003, outra seleta de boa qualidade de Ungaretti foi, igualmente, lançada no Brasil, “A Alegria”, com traduções de Geraldo Holanda Cavalcanti. Todavia, em “Daquela Estrela à Outra”, os tradutores refazem de modo mais amplo o percurso do traduzido, selecionando textos de seu livro de estréia “A Alegria” (1914-1919) até “O Caderno do Velho” (1952-1960), incluindo-se o lancinante “A Dor” (1937-1946), escrito, em parte, com base nas lembranças brasileiras do poeta, que viveu em São Paulo de 1937 a 1942, como professor de literatura italiana da USP. Em São Paulo, morreu seu filho Antonietto, então com oito anos, de apendicite.
Giuseppe Ungaretti nasceu em Alexandria no Egito em 1888, de uma família oriunda de Lucca, na Itália, e morreu em Roma, em 1970. É um dos gigantes não só da poesia italiana mas de toda a poesia mundial do Século XX. Seus poemas do início, como bem observa Haroldo de Campos, um dos pioneiros em sua tradução para o português, são “concisos e luminosos, arabescados como se a linguagem pudesse ter a leveza e a levitação de um vôo”. Em “L’Allegria”, Ungaretti introduz, de forma substantiva e não decorativa, técnicas do “haiku” na poesia italiana, desencandeando uma outra vertente de modernidade, diversa da proposta pelos futuristas ; tais técnicas, de trabalhar a palavra com recursos não discursivos, vieram, nele, acompanhadas sempre de densidade existencial : seu livro de estréia foi escrito durante a Primeira Grande Guerra, na qual lutou na condição de soldado raso. E vieram sempre igualmente acompanhadas de uma inflexão intimista, moldada por um tom inocente (de descoberta) e ao mesmo tempo por uma sabedoria ancestral, não livresca. Vinícius de Moraes o definia, neste sentido, apropriadamente como um “menino de mil anos”.
Muito já se escreveu sobre Ungaretti, que, como se sabe, organizou, e traduziu para o italiano, uma antologia de poesia brasileira, que incluía José de Anchieta (por quem era fascinado) , Tomás Antonio Gonzaga, Gonçalves Dias, Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Carlos Drummond de Andrade, Vinícius de Moraes e Murilo Mendes. Aqui, no Brasil, conviveu com uma variada gama de intelectuais e artistas: de Sérgio Buarque de Hollanda a Flávio de Carvalho, passando evidentemente pelos fundadores de nosso modernismo. Antonio Candido de Mello e Souza seguiu, informalmente, suas aulas na USP. Muito já se discutiu a respeito de suas posições antinacionalistas, em contraposição à retórica clássica de Gabriele D’Annunzio e à de Marinetti – o fundador do futurismo. Muito se tem debatido, também, sobre o seu vínculo inegável com o fascismo, o que leva alguns a equiparar seu caso ao do norte-americano Ezra Pound. Fiquemos então agora com “Daquela Estrela à Outra”, livro que, desde já, torna-se leitura obrigatória, numa cultura, como a nossa, há muito fechada em seu pobres limites nacionalistas e sociológicos, em sua “desliteratura”. Pode-se dizer que, nesta perspectiva, a presença de Ungaretti em São Paulo, por seis anos consecutivos, confirmou certa internacionalidade da poesia aqui produzida, apontando, portanto, possibilidades distintas das verdades hoje hegemônicas.
As traduções estão, no volume, divididas por tradutores e não seguem, portanto, a ordem cronólogica das obras do italiano. As versões de Haroldo de Campos são, digamos, algumas vezes, abstratizantes ; se procuram, por um lado, recriar as qualidades formais do original, descuidam de seu tom palpitante, como por exemplo quando traduz, de “A Alegria”, o poema “Tédio” “ Questa solitudine in giro / titubante ombra dei fili tranviari / sull’umido asfalto // Guardo le teste dei brumisti / mel mezzo sonno / tentennare” por “ Esta solidão em torno / sombra titubeante de fios viários / sobre o úmido asfalto // Olho como os cocheiros / a meio-sono / cabeceiam”. Os “fios do bonde” transformam-se em “fios viários” ; o verso, em tradução literal, “ Olho as cabeças dos cocheiros / cochilando/ balançar “ transmutam-se para “Olho como os cocheiros / a meio-sono / cabeceiam”. O verbo cabecear, no Brasil, tem um sentido intenso…, vinculado ao futebol e, no caso, soa como arcaísmo, impróprio para a feição moderna e coloquial do poema. A tradução tem esse poder: o de desviar a atenção do original para si mesma, suspendendo juízos de valor sobre ele e, ato contínuo, transferindo-os para ela, tradução. Todavia, tal tendência abstratizante de de Campos não retira o encantamento dos poemas e de suas versões, sempre feitas com esmero e seriedade, na linha de trabalho que cunhou como “transcriação”. Neste prisma, leia-se o belíssimo “Eterno” ( “tra un fiore colto e l’altro donato / l’inesprimibile nulla”) , que Haroldo verteu como “Entre uma flor colhida e o dom de outra / o nada inexprimível”. Para evitar as cacofonias de “entre uma uma flor colhida e outra dada”, de Campos engendrou a solução “e o dom de outra”, solução que, note-se, “transmentaliza” a peça, deixando-a meio sem sentido.
Os maiores desafios de tradução foram enfrentados por Aurora F. Bernardini, que verteu os dificílimos e longos poemas de “A Dor”, que exploram, em italiano, aspectos descontínuos da sintaxe e da gramática, como na peça “Tudo perdi”, na qual o poeta trabalha a morte do filho Antonietto: “ Tudo perdi da infância / E não mais poderei / Desmemoriar-me num grito // a infância está enterrada / no fim das madrugadas…”. O verbo inusitado, “desmemoriar-me” provoca um corte abrupto na frase. O leitor atento perceberá que os temas iniciais de “A Alegria”, que giram em torno do estado de vigília, se mantém agora, nestes poemas dos anos de 1930 e de 1940, intensificando-se o tom pessoal, no diapasão “alegria do naufrágio” – pessimismo, no caso, vivido. Entre as versões de Bernardini, está a do poema “Amaro Accordo”, considerado talvez o melhor de Ungaretti, até em virtude de sua, digamos, intraduzibilidade. Nele, ao lado da morte do filho, numa inflexão musical ( accordo significa também acorde), Ungaretti evoca lembranças da paisagem do Guarujá : “ … A um recordar amarguíssimo de acordos, / Para sombra de banareiras / E de errantes gigantes, / Tartarugas entre blocos / De enormes águas impassíveis / Sob outra ordem de astros / Entre insólitos gaviões …”. Não se pode deixar de assinalar um certo toque expressionista neste momento de Ungaretti ; o poema é belíssimo e a tradução dá conta de seus estranhamentos, de forma fluida quando verte “ …. Ma la morte é incolore e senza sensi / E, ignara d’ogni legge, come sempre, / Giá lo sfiorava / Coi denti inpudici” para “ Mas a morte incolor e sem sentidos / Que ignora, como sempre, qualquer lei / Já o roçava / Com seus dentes lascivos”. O volume estampa um ótimo estudo de Lucia Wataghin sobre tal poema, “A Dor” : “ … É evidente a presença do barroco de Góngora e poder-se-ia dizer que, para estes poemas, valem os mesmos princípios enunciados por Ungaretti a propósito da poesia do espanhol: a beleza e o horror, que são o segredo do barroco…”.
Há que se destacar, ainda, o ensaio de Bernardini, onde ela estuda uma tradução que Ungaretti fez de um poema do russo Serguei Essiênin para o italiano. Ungaretti foi também um grande tradutor de poesia: verteu Góngora, Shakespeare, Saint-John Perse e tantos outros para o seu idioma natal. O livro traz, por fim, um depoimento significativo de Mario Luzi, talvez o maior poeta italiano vivo ao lado de Andrea Zanzotto e Edoardo Sanguinetti, no qual ele afirma: “… Devo dizer que a vertente catastrófica que se manifestou desde o começo em Ungaretti, uma vez que ele iniciou em poesia com a guerra e a morte, não cheguei a vivê-la (…) tinha uma outra orientação que não a dele e a de Eugenio Montale: eu abraçava a tese de não trabalhar sobre a derrota do homem …”.
DAQUELA ESTRELA À OUTRA
(Giuseppe Ungaretti / Aurora Bernardini / Haroldo de Campos)
di Régis Bonvicino
A cura di Lucia Wataghin, con traduzioni e saggi di Aurora F. Bernardini e Haroldo de Campos (il celebre poeta, critico e traduttore brasiliano scomparso nell’agosto 2003) è appena uscita in Brasile l’eccellente antologia di poesie di Giuseppe Ungaretti intitolata “Ungaretti / Daquela Estrela à Outra”. La pubblicazione viene ad appena un anno di distanza, sempre in Brasile, da un’altra buona scelta della poesia di Ungaretti, dal titolo “A Alegria”, tradotta da Geraldo Holanda Cavalcanti e apparsa nel 2003. L’antologia “Daquela Estrela à Outra”, però, ripercorre in modo più ampio la traiettoria del poeta, partendo dalla sua prima raccolta di versi, l’“Allegria” (1914-1919), fino a “Il Taccuino del Vecchio”(1952-1960); comprende anche la lancinante raccolta di liriche “Il dolore”(1937-1946), che rimanda in parte ai ricordi brasiliani del poeta, vissuto a San Paolo dal 1937 al 1942, dove tenne la cattedra di letteratura italiana nella prestigiosa Università di São Paulo (USP). Proprio a San Paolo gli morì di appendicite, a otto anni, il figlio Antonietto.
Giuseppe Ungaretti nacque ad Alessandria d’Egitto nel 1888, da una famiglia originaria di Lucca, e morì a Roma nel 1970. È uno dei giganti non solo della poesia italiana ma anche della poesia mondiale del XX secolo. I suoi versi di esordio, come efficacemente osserva Haroldo de Campos, uno dei primi a tradurlo in portoghese, sono “concisi e luminosi, arabescati come se il linguaggio potesse avere la levità e la lievitazione di un volo”. Ne “L’allegria”, Ungaretti introduce, in forma sostanziale e non decorativa, tecniche haiku nella poesia italiana, inaugurando un altro filone della modernità, diverso da quello proposto dai futuristi; la sua tecnica di elaborazione della parola con mezzi non discorsivi era sempre accompagnata, in lui, da profondità esistenziale: il libro di esordio fu scritto durante la prima guerra mondiale, alla quale partecipò come soldato semplice. La accompagnava sempre anche una inflessione intimista, modellata da un tono di scoperta (l’“innocenza” ungarettiana) e allo stesso tempo da un sapere ancestrale, non libresco. Vinícius de Moraes, il noto poeta, compositore e cantante brasiliano, lo definiva, in questo senso, giustamente come un “bambino di mille anni”.
È imponente la letteratura su Ungaretti, che curò anche, traducendola in italiano, una antologia di poesia brasiliana, che comprendeva poeti famosi come José de Anchieta (da cui era affascinato), Tomás Antonio Gonzaga, Gonçalves Dias, Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Carlos Drummond de Andrade, Vinícius de Moraes e Murilo Mendes. In Brasile convisse con un’ampia gamma di intellettuali e artisti: da Sérgio Buarque de Hollanda a Flávio de Carvalho, passando ovviamente per i fondatori del modernismo brasiliano. Antonio Candido de Mello e Souza seguì, informalmente, le sue lezioni alla USP. Molto già si è discusso sulle sue posizioni antinazionaliste, in contrapposizione alla retorica classica di Gabriele d’Annunzio e a quella di Marinetti, il fondatore del futurismo. Molto si è dibattuto anche, sul suo innegabile legame con il fascismo, che ha portato alcuni a paragonare il suo caso con quello dell’americano Ezra Pound. Limitiamoci dunque a parlare di “Daquela Estrela à Outra”, raccolta che fin da ora si presenta come una lettura obbligatoria, in una cultura come quella brasiliana, isolata da molto tempo entro i suoi poveri limiti nazionalistici e sociologici, nella sua “deletteratura”. Si può dire che, in questa prospettiva, la presenza di Ungaretti a San Paolo, per sei anni consecutivi, conferma una certa internazionalità della poesia qui prodotta, diversamente dalla versione ufficiale oggi egemonica.
Nel volume, le traduzioni sono suddivise per traduttore e perciò non seguono l’ordine cronologico delle opere del poeta. Le versioni di Haroldo de Campos sono, per così dire, a volte astrattizzanti; se, da un lato, cercano di ricreare le aulicità formali dell’originale, all’altro trascurano il suo tono palpitante. Si veda ciò che accade quando traduce, da “L’allegria”, la poesia “Noia”: i versi “Questa solitudine in giro / titubante ombra dei fili tranviari / sull’umido asfalto // Guardo le teste dei brumisti / nel mezzo sonno / tentennare” vengono tradotti con “ Esta solidão em torno / sombra titubeante de fios viários / sobre o úmido asfalto // Olho como os cocheiros / a meio-sono / cabeceiam”. Qui i “fili tranviari”, cioè i fili del tram, si trasformano in “fios viários”, cioè fili viari. Questi versi, che tradotti letteralmente suonerebbero in portoghese “Olho as cabeças dos cocheiros / cochilando/ balançar”, si tramutano in “Olho como os cocheiros / a meio-sono / cabeceiam”. Il verbo cabecear, in Brasile, ha un significato intenso, legato al calcio, e in questo caso suona come un arcaismo e pare improprio per i tratti moderni e colloquiali della poesia. La traduzione ha questo potere: di deviare su se stessa l’attenzione del lettore sviandola dall’originale, sospendendo il giudizio di valore e trasferendolo su di sé, in un movimento continuo. Tuttavia, la tendenza astrattizzante di de Campos non annulla l’incanto delle poesie e della loro versione brasiliana, sempre svolta brillantemente e con serietà, nella linea di lavoro che egli chiamava “transcriação” [transcreazione]”. In questo senso si legga la bellissima “Eterno”, (“Tra un fiore colto e l’altro donato / l’inesprimibile nulla”), che Haroldo de Campos ha tradotto: Entre uma flor colhida e o dom de outra / o nada inexprimível – letteralmente, tra un fiore colto e il dono dell’altro, il nulla inesprimibile. Per evitare la cacofonia derivante da una traduzione letterale come “entre uma uma flor colhida e outra dada”, de Campos ha immaginato la soluzione e o dom de outra, cioè e il dono dell’altro, che, si noti, “transmentalizza” il verso, lasciandolo in parte privo di senso.
Le maggiori sfide di traduzione sono state affrontate da Aurora F. Bernardini, traduttrice delle difficilissime e lunghe poesie de “Il dolore”, che esplorano discontinuità sintattiche e grammaticali, come nei versi di “Tudo perdi”, in cui il poeta tratta della morte del figlio Antonietto: “Tudo perdi da infância / E não mais poderei / Desmemoriar-me num grito // a infância está enterrada / no fim das madrugadas…” [Tutto ho perduto dell’infanzia/ E non potrò mai più/ Smemoriarmi in un grido.] Il verbo inusitato desmemoriar-me provoca una brusca cesura nella frase. Il lettore attento si accorgerà che i temi iniziali de l’Allegria, che sono tutti attinenti allo stato di veglia, si mantengono anche in queste poesie scritte fra il 1937 e il 1946, mentre il tono personale si intensifica, riprendendo il pessimismo vissuto del tema dell’“allegria di naufragi”.
Tra le migliori prove di Bernardini c’è quella della poesia “Amaro Accordo”, considerata forse la migliore di Ungaretti, proprio per la sua, per così dire, intraducibilità. In essa, insieme alla morte del figlio, Ungaretti rievoca ricordi del paesaggio di Guarujá: “A um recordar amarguíssimo de acordos, / Para sombra de banareiras / E de errantes gigantes, / Tartarugas entre blocos / De enormes águas impassíveis / Sob outra ordem de astros / Entre insólitos gaviões …” [(Per un amaro accordo dei ricordi/ Verso ombre di banani/ E di giganti erranti/ Tartarughe entro blocchi/ D’enormi acque impassibili;/ Sotto altro ordine d’astri/ Tra insoliti gabbiani)]. Non si può omettere di segnalare un certo tocco espressionista in questo brano di Ungaretti; i versi sono molto belli e la traduzione rende fluidamente il loro effetto di straniamento, trasformando “Ma la morte é incolore e senza sensi / E, ignara d’ogni legge, come sempre, / Giá lo sfiorava / Coi denti impudichi” in “Mas a morte incolor e sem sentidos / Que ignora, como sempre, qualquer lei / Já o roçava / Com seus dentes lascivos”. Il volume contiene inoltre un ottimo studio di Lucia Wataghin sulla già citata raccolta “Il dolore”: “È evidente la presenza del barocco di Góngora e si potrebbe dire che, per queste poesie, valgono gli stessi principi enunciati da Ungaretti a proposito della poesia dello spagnolo: la bellezza e l’orrore, che sono i segreti del barocco…”
Va inoltre segnalato anche il saggio di Bernardini, dedicato a una traduzione ungarettiana dal russo di una poesia di Esenin. Ungaretti fu anche un grande traduttore di poesia: volse in italiano Góngora, Shakespeare, Saint-John Perse e molti altri. Il libro riporta, alla fine, una significativa testimonianza di Mario Luzi, forse il maggior poeta italiano vivente, con Andrea Zanzotto ed Edoardo Sanguineti, che dichiara: “Devo dire che non sono arrivato a viverlo, l’aspetto catastrofico che fin dall’inizio si manifestò con Ungaretti, dato che egli iniziò a poetare con la guerra e la morte(…); avevo un altro orientamento rispetto al suo e a quello di Eugenio Montale: io abbracciavo la tesi di non lavorare sulla sconfitta dell’uomo…”.
Régis Bonvicino è poeta, autore, tra le altre opere, di Remorso do Cosmos (2003) ed editore della rivista Sibila.
Traduzione di Maria Luisa Vassallo