Folha de S. Paulo, 2 de março de 1991
Em “Silogismos da Amargura”, escrito em 1952, o filósofo heterodoxo E. M. Cioran opera, em pensamento e linguagem, entre a filosofia e a poesia em prosa. O ceticismo, que o próprio filósofo considera “a elegância da ansiedade”, aparece, neste livro, sob a forma de aforismos, frases curtas, pequenos trechos em prosa.
Cioran, nascido em 1911 na Romênia, pátria de Mircea Eliade e do dramaturgo Ionesco, vive em Paris desde 1937, escrevendo em francês. “Sylogismes de l’Amertume”, no original, é o livro imediatamente seguinte à “Précis de Decomposition” (1949). Depois de “Silogismos” vieram: “La Tentation d’Exister” (1956), “Histoire et Utopie” (1960) e “La Chute dans le Temps” (1964).
Dedicou-lhe um ensaio interpretativo a norte-americana Susan Sontag em “A Vontade Radical” (1966). “Silogismos” chega, portanto, ao Brasil – como geralmente acontece – com quase 30 anos de atraso. Este fato faz com que o livro perca em impacto e cor, embora não o desfigure nem lhe retire a importância – já um tanto “histórica”.
Susan Sontag vê em Cioran características convulsas do raciocínio neofilosófico alemão, cujo lema –segundo a ensaísta norte-americana – era “aforismo ou eternidade”.
O aforismo, em harmonia com o ceticismo, é adotado em oposição às idéias iluministas sistêmicas e à toda ordem do conhecimento – vista pelo filósofo como uma espécie de farsa. Sontag vê Cioran como mais um “recruta na parada melancólica dos intelectuais europeus em revolta contra o intelecto – a rebelião do idealismo contra o idealismo – cujas maiores figuras são Nietzsche e Marx”.
Integridade do pensamento, um tanto à la Sammuel Beckett, é a preocupação central de Cioran. Em “Silogismos da Amargura”, dividido em dez curtos capítulos, essa preocupação aparece observando a poesia, o verbo, o Ocidente, o tempo, a religião, o amor etc. Há tiradas cortantes, que ainda podem ferir a atenção, ao lado de frases que o tempo talvez tenha banalizado. “Só nos interessa o que um escritor calou, o que poderia ter dito, suas profundidades mudas” é ainda uma sentença legível. O que não se dá, por exemplo, com “O cético gostaria de sofrer, como o resto dos homens, pelas quimeras que fazem viver. Não consegue: é um mártir do bom senso” ou, então: “Petulante, mergulhei no absoluto; emergi troglodita”.
“Silogismos da Amargura” correu o risco do fragmentário num momento histórico adequado – o pós-Segunda Guerra Mundial. Sua fragmentariedade, anti-sistêmica, pode, hoje, parecer mais um “sistema”, obsoleto. É Cioran, ele mesmo, quem adverte: “Só cultivam o aforismo os que conheceram o medo no meio das palavras, esse medo de desmoronar com todas as palavras.”
CINCO AFORISMOS
Nada seca tanto o espírito como a repugnância a conceber idéias obscuras
Prolixa por natureza, a literatura vive da pletora de vocábulos, do câncer da palavra
Há mais honestidade e rigor nas ciências ocultas do que nas filosofias que atribuem um “sentido à história”
Neste universo provisório, nossos axiomas só têm um valor de notícias do dia
Para quem respirou o Morte, que desolação o odor do Verbo!
Extraído de “Silogismos da Amargura”