Entrevista para Rogério Eduardo Alves
Em 24 de junho de 2002
SOBRE LINDERO NUEVO VEDADO E OS TEMPOS ATUAIS
1. Estive em Paris em novembro 1995 , para um umas leituras, e lá conheci o músico cubano Carlos Ibañez, que, ao final do encontro, deixou-me seu endereço em Havana: Calle 41, n. 1658, entre 36 e Lindero Nuevo Vedado. Nuevo Vedado é um bairro de Havana. A expressão nunca mais me saiu da cabeça. Atribui a ela uma capacidade de síntese das questões do mundo contemporâneo, políticas, sociais, poéticas, questões relativas à convergência entre inovação estética e mudança social, a impossibilidade de inovação, que me fascinou a ponto de provocar não só um poema. Ano passado, estive em Coimbra, para mais outras leituras, e lá surgiu o convite para que eu organizasse, para Portugal, o que, hoje, é a antologia “Lindero Nuevo Vedado”, com introdução e seleção do Romulo Valle Salvino, que é um ensaísta puro. Na verdade, o título surgiu antes do livro… Sim, convidei o Romulo (um brasileiro e não um português) para a tarefa, que deve ter sido ingrata…, pois, para mim, é impossível fazer uma antologia de mim mesmo. A expressão evoca também o início de minha juventude: 1974, Falculdade de direito da USP, censura, guerrilhas, mortes, exílios, ao lado das revoluções da contracultura, que, diga-se, há muito tempo já estão esvaziadas. Você sequer podia falar nos corredores da Faculdade sem achar que estava sendo monitorado. Havia um falar entre, pelas frestas, um cicio. Enfim, quando estreei em 1975, aos 19 anos, o Brasil vivia sob uma ditatura, que se estendeu até 1985, e essa experiência, embora eu nunca tenha sido marxista, me marcou para sempre. As idéias de proibido, de interdito, de entre, do revelar o velado ou oculto e sobretudo a idéia do fracasso estão presentes no meu trabalho. A idéia do obscuro como aflição. Como poeta, me senti sempre (e deve ser verdade…) um “orfeu” sendo julgado por uma dúzia de juízes sinistros… Talvez, um “sísifo” … pois hoje, passados 25 anos, há uma situação de bárbarie talvez mais aguda e complexa do que a daquela época. Há uma guerra brutal, aberta e ao mesmo tempo “velada”, sem prespectivas de fraternidade ou solidariedade. Quando eu era jovem, podia-se acreditar em Sartre ou em Antonioni. Hoje, depois de 1989, com a queda do Muro de Berlim, tanto a arte quanto a vida foram se tornando decisões absoluta e somente privadas, sem consideração da dimensão pública. Esse “laissez faire” que aí está é perversamente inclusivo (esta é a essência do comércio) e para se ser inclusivo você abre mão de quaisquer critérios de civilização. Hoje, não se pode mais falar “que se danem, a cultura e a civilização”. Então, eu diria a vocês que a minha poesia é uma poesia que tenta buscar critérios, para um mundo enigmático, abismal, desumano, com razões cada vez mais economicistas. Não creio que minha poesia seja uma construção mitologizante do contemporâneo (seria demais para um pobre marquês, um poeta “mediano” e tão desmerecido como eu…) mas sim a busca, real, dele, contemporâneo, pois pertenço a uma geração que se lançou sob o peso “contemporâneo” e “opressivo” do modernismo, do concretismo, do tropicalismo, de Drummond vivo, de João Cabral vivo, das muitas lutas ideológicas etc.
A POESIA TEM FUNÇÃO?
2. Sim. A de descobrir uma “outra” demanda (não comercial), sempre. Hoje, falar da “importância” de João Cabral, de Drummond ou de Haroldo de Campos é obviedade. É como dizer que faz calor no verão… Prefiro, por exemplo, falar de Henriqueta Lisboa ou de Mário Faustino, ou, entre os vivos, de Hilda Hist, dentro da tradição brasileira. Mas na verdade há uma dissolução da idéia de literário e da própria arte em virtude da inclusividade extrema, que se lançou numa cultura frágil, como a brasileira. A poesia tem uma especificidade, que está distante das letras de música popular e do mundo pop. (O rock and roll hoje é algo mais institucionalizado do que George Bush!). E não há uma base verdadeiramente letrada no Brasil, como há nos EUA. Então, talvez criar essa base letrada, humanista, seja uma das tarefas da poesia; aqui, no Brasil, onde há oligarquias e nepotismo no mundo das letras, o politicamente correto é um avanço, está à esquerda, embora ele também seja uma técnica de inclusão, pouco crítica, que, no palno social, acentua as exclusões.
AS IDÉIAS E AS PALAVRAS
3. Não há poesia sem idéias e sem palavras (mesmo que transformadas em imagens), apesar de o panorama brasileiro tentar demonstrar insistentemente o contrário… Não falo a respeito dos meus poemas ou de minha poesia tanto que convidei o Valle Salvino, que não é sequer uma “estrela” da crítica, que não é nenhum “Antonio Candido”, para organizar o livro. Digo a você que dialoguei sim com o concretismo, no momento histórico certo. Nos anos 70 e começo dos anos 80, quando havia uma vitalidade nisso. E não tenho nenhum problema em dizer isso. Quem não dialogou?. Caetano, Gil e Torquato Neto dialogaram. Ferreira Gullar dialogou. Manuel Bandeira dialogou. Drummond, em “Isso é Aquilo”, dialogou. A questão do concretismo foi inescapável, para o bem ou para o mal. Até hoje admiro a produção de Augusto de Campos. Aqueles poemas dele dos anos 50 e 60 são maravilhosos. Há no Brasil uma sucessão de “reservas de mercado”: a do modernismo, muito forte, a do concretismo – que representam agora hoje somente um vazio . Vem-me à tona a frase de Mário de Andrade, do Prefácio Interessantíssimo, de 1921: “O passado é lição para se meditar. Não para se reproduzir”. Estou francamente interessado em poesia . Acho que essa questão da influência é apenas moral. Traduz um moralismo paralisante… autoritário…, bem adequado ao tempo. Arte é diálogo. A fauna e a flora foram, para mim, tanto quanto as antenas, o dia a dia, os meus filhos João, Marcelo e Bruna tão importantes quanto Carlos Drummond de Andrade ou Heráclito.
AINDA O VEDADO
4. Os meus três primeiros livros (livrinhos?, de tiragem mínima) estão reunidos no volume intitulado “Primeiro Tempo” (Editora Perspectiva, 1995). Talvez, eu devesse ter incluido nele o “Más companhias”, de 1987. Portanto, essa nova reunião – que surgiu do acaso – trabalhou com os poemas de “33 poemas” (1990), para cá. Você me faz uma pergunta curiosa: se a realidade urbana de São Paulo é a mesma que a de Nova York ou do que a de Lisboa ou do Porto; leio todos os dias, nos jornais brasileiros, articulistas norte-americanos e portugueses… Por que, para a poesia brasileira, seria diferente?. O “internacionalismo” só é “permitido” para os jornais e para a mpb e para os “vips”?. Estava no Festival de Coimbra com John Ashbery e, depois, da leitura, houve contactos… Acho que me confundiram com o Ashbery. Deve ser isso… E me convidaram. Nessa mesma coleção, que saiu o “Lindero Nuevo Vedado” (exclusivamente organizado pelo Valle Salvino) não sairam só Murilo Mendes e Manoel de Barros mas também o Ferreira Gullar e o Gustavo Arruda e o Eucanaã Ferraz, estes dois poetas mais novos e bons. Carlito Azevedo acaba de lançar algo em Portugal também. Eu mesmo tenho um Selected Poems, publicado pela Sun & Moon, em 2000, nos EUA. Não há deslumbramento. E por que haveria? A única expectativa que tenho é a de continuar quieto no meu canto… talvez, publicando menos… Meu último livro é o “Cadenciando-um-ning, um samba para o outro”, em parceria com Michael Palmer (Ateliê, 2001). E preparo outro, só meu, de poemas: “Remorso do Cosmos”.
O CONTEMPORÂNEO
5. A única coisa que fiz em minha vida foi, basicamente, ler o contemporâneo. O livro “Nothing the sun could not explain / 20 Contemporary Brazilian Poets” ( Sun & Moon, 1997 – que sai agora de novo nos EUA, ampliado ), editado pelo Nelson Ascher, pelo Michael Palmer, pelo Douglas Messerli e por mim, sintetizou tais leituras e criou a idéia de “contemporãneo” agora nos 90 no Brasil. Antes desse livro (que não é uma “antologia”), não havia nada… Só ismos … e os drummondianos de sempre. Tudo começou então a reflorescer.
Régis Bonvicino