Nothing the sun could not explain: 20 Contemporary Brazilian Poets, 312 páginas, $15.95, Michael Palmer, Régis Bonvicino and Nelson Ascher, editores (Sun & Moon Press, 1997). O livro esgotou sua primeira edição em dois meses, nos EUA, estando agora na segunda, que pode ser adquirida via Amazon Books ou na Livraria Cultura.
Esta nova antologia bilíngüe reúne três gerações de poetas cujos trabalhos refletem as principais tendências da poesia brasileira dos últimos trinta anos. As traduções para oinglês (feitas por, entre outros, Michael Palmer, Dana Stevens e Regina Alfarano e com alguns poemas de Leminski e de Bonvicino revisados por Robert Creeley) têm uma bela leitura do começo ao fim, transmitindo as sutilezas,em nuance e tom,de todo o âmbito dos originais. Começando com trabalhos do movimento Tropicalista dos anos 60 e prosseguindo através da poesia atual, os editores Michael Palmer, Régis Bonvicino e Nelson Ascher (os dois últimos estão,merecidamente, entre os poetas aqui representados) seguem a trajetória da poesia contemporânea.
Em comparação com a Poesia Concreta, austera e freqüentemente impessoal,que dominava a cena brasileira nos anos 50, a “poética” aqui apresentada é contundentemente pessoal e familiar. Ela se distancia das investigações visual e formal do Concretismo, enfocando, ao contrário, um tipo de lírica.Salvo duas peças visuais, que parecem estranhamente fora de lugar neste contexto, a antologia caracteriza-se por uma exploração radical da forma de verso curto.
Embora o verso curto seja, aqui, de fato, a unidade poética básica, o trabalho como um todo é surpreendentemente diversificado, graças à cuidadosa experimentação por parte de muitos dos poetas. Das construções verbais compactas de Paulo Leminski, às peças expansivas de Josely Vianna Baptista e às linhas alongadas e quebradas de Waly Salomão, muitas vozes distintas podem ser ouvidas, criando uma variedade,que enriquece toda a coleção. Enquanto várias abordagens são evidentes, estilistica e tematicamente, a poesia parece gravitar em torno de dois pólos: por um lado, o da poesia direta e coloquial, muitas vezes marcada por fortes tendências anti-estéticas; por outro lado, uma poesia introspectiva, consciente de si, que,com frequência,examina questões da língua e da escrita, e,ao fazê-lo, dialoga em sentido amplo com outras culturas.
O primeiro modo, típico tanto do Tropicalismo,quanto das poéticas “marginais” dos anos 60 e 70, é exemplificado pelo trabalho de vários poetas, notadamente Torquato Neto, Paulo Leminski e Ana Cristina César. Estes poetas — alguns dos quais escreveram letras de músicas para Caetano Veloso e Gilberto Gil — compartilham o gosto pelo familiar e quotidiano, por uma linguagem informal, ressoando um inventivo ethos urbano. Talvez sob a influência da música popular brasileira, seus poemas,muitas vezes, parecem canções de amor que não funcionaram — marcados como são pelo pessimismo subjacente e sentido de desespero, como neste poema de Ana Cristina César: “é muito claro/ amor/ bateu/ para ficar/ nesta varanda descoberta/ a anoitecer sobre a cidade/ em construção/ sobre a pequena constrição/ no teu peito/ angústia de felicidade/ luzes de automóveis/ riscando o tempo/ canteiros de obras/ em repouso/ recuo súbito da trama”.
Nas mãos de Paulo Leminski, um dos poetas mais fortes aqui apresentados, estas “linhas frágeis” colapsam em simesmas, adquirindo uma intensidade, e, por vezes, uma brutalidade, que é atenuada apenas por breves flashes de humor e ironia auto-depreciativa. Um sarcasmo que não perdoa, sentido em boa parte do trabalho, tem seu campeão em Paulo Leminski. Embora ele tenha começado escrevendo poesia concreta (1960), rapidamente ele criou um estilo bastante pessoal, temperado pela contracultura que,crescentemente,moldou a ele e seu trabalho. Uma voz forte, original, ele se move da concisão do haicai (“lua à vista/ brilhavas assim/ sobre auschwitz?”) às composições de sabor retórico que beiram o silogismo, como a peça da qual a antologia retira seu nome: “nada que o sol/ não explique// tudo que a lua/ mais chique/ não tem chuva/ que desbote esta flor”. Ou, o seguinte poema, ainda mais potente: “um dia / a gente ia ser homero/ a obra nada menos que uma ilíada// depois/ a barra pesando/ dava pra ser aí um rimbaud/ um ungaretti um fernando pessoa qualquer/ um lorca um éluard um ginsberg/por fim/ acabamos o pequeno poeta da província/ que sempre fomos/ por trás de tantas máscaras/ que o tempo tratou como a flores”.
Em contraponto a esta poesia de “tom” auto-degradante, auto-destrutiva,sem sentido pejorativo, soa uma segunda voz, atenta ao seu status de fato literário e de seu lugar dentro de um contexto mais amplo da poesia internacional. Como muitos dos poetas aqui são tradutores (Nelson Ascher, Régis Bonvicino, Duda Machado, Júlio Castañon Guimarães e Josely Vianna Baptista), seus trabalhos refletem,neste ângulo, o mundo em que vivem. Por toda a antologia escutam-se ecos de Mallarmé (“Nada, esta espuma”, de Ana Cristina César), Lorca (“Verdura”, de Paulo Leminski), Rimbaud (“Teatro Ambulante”, de Duda Machado), entre outros. Freqüentes alusões a mais outros escritores e artistas plásticos — como em “A desordem de”, de Régis Bonvicino, (“…Pábulo de vermes Picasso/ colecionava picuá de barro/ decorado com cabra…”) — servem como “hiperligações” a uma rede vasta e multicultural,conectando a poesia brasileira às várias literaturas “estrangeiras”.
Esta autoconsciência poética é clara,ao nível do texto,na pronunciada “fixação” à escritura e à linguagem, um “fio codutor” que corre toda esta coleção. Enquanto alguns poemas tratam abertamente da questão da produção literária — como o poema de Leminski citado acima – outros adotam abordagem mais sutil, remetendo-se à questão obliquamente, ou a partir de uma distância metafórica segura, revelando,no processo,um sentido de desilusão e desconfiança, como se o poema fosse, de algum modo, limitado por suas próprias palavras ou,pior ainda,pela linguagem ela mesma,paradoxical mas temática não incomum,que retorna, para além dos “-ismos” da vanguarda histórica, às vozes ancestrais dos presentes autores — à poética simbolista em que está enraizada (como nos lembra “o pensamento expresso é uma mentira”, de Tyutchev). Aqui está “História Natural”, de Horácio Costa: “Detrás do taxidermista, há a palha,/ detrás do rinoceronte, a savana,/ detrás desta escritura só a noite,/ a noite que galopa até o fronte./Na asa da mariposa assoma a lua,/ na cabeça do alfinete brilha o sol,/ nestas linhas reverbera o sol negro,/ astro que ora sobe no horizonte./O animal dissecado da sintaxe/ provê o verbo, o bastidor e a legenda/ duma coleção mais morta que os mortos./ No gabinete de história natural/ o visitante-leitor detém-se face/ a mamíferos e insetos reluzentes.”
Este poema, com suas imagens de morte e escuridão, taxidermia e coleção, poderia ser lido como metáfora da ossificação da literatura através de sua própria criação e sua inevitável incorporação dentro do discurso historicizante e classificador daqueles taxidermistas culturais, os críticos e acadêmicos. Enquanto a terceira estrofe revela sucintamente o mecanismo em ação (“O animal dissecado da sintaxe/ provê o verbo, o bastidor e a legenda/ de uma coleção mais morta que os mortos”), a primeira estrofe telescopiaeste processo absurdo em reverso, passando do preservacionista, ao animal vivo, à escrita, à noite em que o poema surgiu, o verdadeiro grau zero da poesia. Que Costa expresse este ato de desaparição invertida como soneto, e o intitule “História Natural”, soma ironia ao poema.
Não quero dar a impressão que a poesia brasileira, como representada nesta antologia, é desesperançosamente morosa ou imperturbavelmente cínica. Ao contrário, há uma inegável exuberância nos trabalhos, um frescor e vibração que ressoam por toda parte, embora temperada, por vezes, com mordaz ironia. Curiosamente, esta exuberância está melhor expressa,de meu ponto de vista, em poemas reflexivos, tipo “natureza morta”, aqueles que exploram um espaço fechado, íntimo, no qual celebram a alegria potencial — se frágil e transitória — do momento em mãos. Estas peças são freqüentemente caracterizados por uma forte sensualidade que parece transpirar das imagens, tomando o poema e o leitor. Elas variam de abertamente sexuais, “o que se perdeu?”, de Júlio Castañon Guimarães e “Máquinas”, de Nelson Ascher, a um erotismo indeterminado de “castanhas, mulheres”, de Claudia Roquette-Pinto: “se abertas/ com a destra surpresa/ de pequenas mãos/ cegas a tal alfabeto/ e a nesga – já marron-/ de pele fere/ mais que a tolice dos espinhos/ vê como/ o gomo lateja:/ ela e ela/ desabotoa/ entre os dedos”.A exuberância destas linhas, unidas com o brilho fugaz, sensual das imagens — qualidades comuns a muitos dos poemas presentes em Nothing The Sun Could Not Explain — revela ainda um outro aspecto da poesia contemporânea brasileira que não poderia deixar de ser mencionado: o de uma escritura intensamente bonita e mentalmente táctil que “desabotoa entre os dedos” do leitor atento.
Guy Bennett é poeta, tradutor e designer gráfico, músico, autor de “Last Words” (Sun & Moon Press 1997) e diretor da coleção “Seeing Eyes Books”, em Los Angeles.
Tradução Claudia Miranda Gonçalves