Gauche.”Vai, Carlos! ser gauche na vida”. Ser gauche na vida. Eis, para mim, a mais perfeita definição de poesia.
Vai, ser gauche, na vida. E não em algum lugar pacificado, seja lá qual for. O verbo no imperativo, como se Carlos, sinônimo de ser, fosse um querelado, um criminoso. Vai, letra a letra, enredado em “vida”. Como se ser ou Carlos “tanto faz” fosse em si um crime. Vai, como fatalidade, jusqu’à la gauche. Completamente. E deste ato de ir e ser gauche desponta a confissão, como ato de declarar mas sobretudo de revelar. Revelar que, em “vida”, está contido, também, o verbo ir. Todavia, como contenção. Como prisão.
Vai, passo a passo, ser ou Carlos, na condição de réu, por ato contra o interesse geral. E da condição de acusado (sem que saiba ao certo quem o acusa ou do que o acusam especificamente) confessa.Confessa a culpa e o desencontro. Confessa que ser ou Carlos ou gauche.Confessa, desajeitadamente. Mas, desajeitadamente, só para inglês ver.
Confessa que: “Eta vida besta, meu Deus”.Com d maiúsculo. Confessa que “vida” contém igualmente “d”, de hora d. Ou que, para ele, qualquer coisa ou hora, é hora d. Ou principalmente que “As atitudes inefáveis, / os inexprimíveis delíquios, / êxtases, espamos, beatitudes / não são possíveis no Brasil”, onde o poeta “faz a mala, põe camisas, punhos, loções, um exemplar da ‘Imitação’… “.
Vai, ser gauche (onde se ouve “ser” e “hoje” em “ô che”) contra os atos dos “bárbaros sem barba”. E por isso, sob acusação, confessa: “Meu verso é minha consolação. / Meu verso é minha cachaça …”, como um pecador.
O único “pecador” de toda a poesia brasileira contemporânea, que eleva a confissão ao nível do universal e produz, em reação à sua obra, João Cabral de Melo Neto. O único, ele, Drummond, que pode dizer: “Você é a palmeira / você é o grito / que ninguém ouviu no teatro… “. Inimitável. Atraente. Aparentemente fácil. Cruel. Um problema. Até hoje, inúmeros tentam copiá-lo “como cores destemperadas” em vão.
Régis Bonvicino