ENTREVISTA AO PORTAL IG
6 de março de 2007
“NÃO QUIS FAZER POEMAS BONITINHOS, MAS POEMAS ORDINÁRIOS”, DESCREVE BONVICINO, SOBRE PÁGINA ÓRFÃ
Nara Alves, para o Portal iG Rio
O poeta Régis Bonvicino lança Página órfã, pela Martins Editora. João Adolfo Hansen, um dos mais respeitados críticos literários brasileiros, definiu Bonvicino como um poeta que, em seu novo livro, “intensifica a barbárie da referência e dramatiza pressupostos estéticos e políticos de sua poesia sabendo coisas fundamentais, hoje arquivadas”. Bonvicino concedeu ao Último Segundo uma entrevista sobre Página órfã.
Nara Alves: Página órfã é uma coletânea de poemas escritos entre 2004 e 2006? Onde o leitor encontra uma unidade no livro?
Régis Bonvicino: Página órfã não é uma coletânea de poemas, mas um livro de poemas. Sempre criei meus livros como projetos de unidade e, agora, mais maduro, aos 52 anos, esse ato torna-se quase automático em mim. O leitor vai encontrar unidade no seguinte: tradição de vanguarda, ousadia na construção dos poemas (e não me venham os manés, os dogmáticos da parvoíce, falar em “concretismo” – maneira sórdida de tentar rasurar qualquer poesia que não esteja conforme à mediocridade –, porque falo de técnicas futuristas, dadaístas (nonsense), construtivistas de um modo geral (Drummond, Murilo Mendes e João Cabral, no Brasil) e desconstrutivistas até, e exploração intensa de temas contemporâneos, antiliterários por natureza. Os poemas são diretos (legíveis), duros (críticos), políticos, falam de moda, de grafites, de beldades, de afetos dolorosos, de personalidades partilhadas pela mídia, como Kate Moss, Gisele Bündchen, Caetano (Kaetán), de mendigos; não quis fazer poemas “bonitinhos”, mas poemas “ordinários” (no sentido plurívoco da palavra), compondo uma visada pouco complacente – espero – em relação às cidades e a seus clichês, às pessoas, ao Brasil e à própria idéia de “poesia” e de “arte”, e inclusive a de “vanguarda” praticada entre nós – que abertamente questiono; afirmo, idem, que o livro não é proselitista, o que poderia parecer, pelo que acabei de dizer. Mas, como dizia Drummond, e eu concordo, quem melhor “fala” por um livro são seus poemas.
NA: O senhor se considera um poeta crítico, que reflete em seu trabalho cenas do cotidiano de locais públicos urbanos?
RB: Página órfã trabalha com o junkspace internacional e introjetado no Brasil, para usar a definição de Hansen – ou seja, a de junkspace –, trabalha com o sujo. E com as escrituras sujas da cidade, como já disse, dos grafites, entre outras, como também spams de prostitutas etc. A internet é ainda considerada uma escritura suja, sem “autoridade”. Por exemplo, termino o poema que dá título ao livro Página órfã com a assinatura do autor e o título de um grafite do Nunca (24 anos), que vi na avenida Brigadeiro Luiz Antônio: “Nunca, imitação de vida”. Transformei o Nunca e seu título num verso, aliás, admiro o trabalho do Nunca bem mais do que o da maioria – argh! –dos poetas e artistas plásticos do “circuito oficial”. Admiro Osgemeos, que fizeram a ilustração da capa do livro. Jean Michel Basquiat me inspirou muito mais do que a leitura de poetas. O filme Muholland Drive, de David Lynch, que trabalha com a questão da imagem versus a auto-imagem etc. Quanto ao “considerar-me” de sua pergunta, não me considero nada… Um dia, há anos, disse ao poeta norte-americano Michael Palmer, aqui em São Paulo, que eu era o professor de nada!
NA: No dia-a-dia, é normal ouvirmos e falarmos palavras ou frases em inglês e espanhol. Na poesia, não. Qual é a função da língua estrangeira em seus poemas?
RB: Não me considero um poeta brasileiro há muito tempo, mas um poeta que vive e escreve no Brasil. Não uso tantas palavras estrangeiras em Página órfã, mas uso-as com prazer e ideologia: essa “mestiçagem” elimina uma visão única de vida, de história, de poesia, de país, de cultura. Como observa a poeta porto-riquenha Lourdes Vasquez, a interação de línguas e culturas confronta as visões hegemônicas.
NA: Alguns poemas de Página órfã foram criados a partir da leitura de jornais, tablóides, revistas, internet? Como as notícias lhe inspiram?
RB: Sim, tudo isso. Li também o poeta chinês Yao Feng, o norte-americano Charles Bernstein e o russo Arkadii Dragomoshchenko, mais no final da criação de Página órfã, porque, além de gostar de seus poemas, eu os estava traduzindo. Por exemplo, o título e o primeiro verso do poema “It’s not looking great!” foram retirados do jornal inglês The Sun: “Cocaine, Kate: it’s not looking great!”. Mas, sobretudo, o livro adveio de minha experiência diária no centro velho de São Paulo, na Liberdade, no Bexiga, na avenida Amaral Gurgel etc.