Decidi mudar meu nome desde os atentados de novembro em Mumbai. Estava, há muito, enjoado de meu nome artístico: Régis Bonvicino. Os brasileiros não conseguem pronunciar corretamente Bonvicino. E o sobrenome italiano custou-me discriminações ao longo da vida. Cogitei Régis Antonio Rodrigues Bonvicino — extenso demais — e Régis Rodrigues, curto, com uma aliteração, mas inexpressivo, como eu. Optei, então, por Gregor Samsa, idêntico ao da personagem de A metamorfose (1912), de Franz Kafka (1883-1924). Pensei antes em Policarpo Quaresma, mas não sou um nacionalista como a personagem de Triste fim de Policarpo Quaresma (1915), do extraordinário Lima Barreto (1881-1922). A prosa brasileira contemporânea dos premiadíssimos Cristóvão Tezza, Milton Hatoum e Bernardo Carvalho parece-me — infelizmente — um danoninho e nela, conseqüentemente, não pude me inspirar. Queria algo expressivo, forte. Hatoum recebeu, em outubro, a Ordem do Mérito Cultural, prêmio do Ministério da Cultura. Como discrepo de governos, não quis me valer — por mais esta razão — das personagens do condecorado. Acostumei-me, de pronto, com Gregor Samsa — bastante adequado, pensei.
Embora não seja um caixeiro-viajante, como a personagem de Kafka, meu trabalho (prefiro não revelá-lo, por vergonha) é igualmente inexpressivo. Depois de um dia igual aos outros, jantei e fui ler os portais do espanhol El País, do inglês The Guardian e dos americanos The New York Times e The Huffington Post. Perdi o hábito de ler jornais paulistas em papel. Soltam tinta demais e sofro de rinite alérgica. Acompanho o Brasil pelo iG.
No The Guardian li que Michael Tomasky afirma serem Barack Obama e Hillary Clinton os políticos mais conhecidos do mundo. Não tolero propaganda. Segui para o El País, que destacava mais um atentado da ETA, com a recente morte do empresário Ignacio Uria, em Azpeitia. Os terroristas alvejam executivos para repudiar o sistema capitalista norte-americano, disseminado pelo mundo, como em Mumbai. Li ainda no El País que Nicolas Sarkozy — o mesmo que desde os tempos de ministro da Justiça vem perseguindo judicialmente o rapper negro Hamé, que lhe faz oposição por meio da música, e perdendo todas as ações contra o artista — perdeu, de novo, uma ação judicial que visava proibir a venda de um boneco de vodu com sua imagem, acompanhado de alfinetes e manual de instrução para cravá-los, de acordo com a feitiçaria negra. O playboy, vaidoso e vazio, é também antidemocrático.
Genocídio na África, guerra nuclear
Fui ao The New York Times. Li a notícia da falência iminente da General Motors — que foi a maior empresa do mundo durante décadas —, da Ford e da Chrysler. Sinto pelos trabalhadores, mas odeio automóveis — que estão entre os maiores causadores do efeito estufa e do aquecimento global. Eles mudaram, para pior, o perfil das cidades e do campo, com autopistas que lembram os labirintos do contista argentino Jorge Luis Borges (1899-1986), que tive a honra de conhecer nos anos 1980. Não ficaria triste se elas desaparecessem, apesar dos desempregados, que só nos Estados Unidos já chegam a 1,2 milhão. Passei ao The Huffington Post, de Arianna Huffington — a grande inovadora do jornalismo contemporâneo. Já estava agitado com tanta notícia ruim. Li então uma entrevista da experiente repórter Christiane Amanpour, da CNN. Ela fez um documentário sobre o genocídio, que classifica, com pertinência, como a mais grave violação da lei. Revela que há um holocausto por ano na África. Discorre sobre Darfur, Ruanda e Congo. O genocídio é crime étnico, religioso ou racial. Critica o preconceito que a mídia tem em relação à África, que nunca é notícia de primeira página, ainda que “em Ruanda tenham sido mortas 800 mil pessoas”.
Amanpour prevê que Iraque, Afeganistão, Irã, Paquistão, Índia, Oriente Médio, além do agravamento da escassez de alimentos e de água e do climate change (aquecimento global), vão ser os temas de 2009. E critica os bloggers — igualmente com razão — ao dizer que para eles basta o comentário ligeiro sobre o evento, sem compromisso com ações para evitá-lo. Explico: não há sinergia entre a internet e a realidade a ser transformada, assim como não existe entre os jornais de papel ou os livros e a cidadania. A essa altura, já me encontrava angustiado, atônito, inquieto ao extremo, com dor de estômago.
Liguei a TV e ouvi três indianos comentarem os atentados de Mumbai. O primeiro dizia que eles não possuíam qualquer motivação religiosa, representavam apenas a violência pela violência, brutal, desumana, que visa somente ao caos e à intimidação, uma violência existencial. O segundo assegurava que os terroristas haviam sido treinados por Bin Laden e que seus alvos eram os executivos (hotéis), representantes do capitalismo financeiro americano, e Israel; além disso, falava da conivência do governo paquistanês, que permite a terroristas da Al-Qaeda e talibãs circular livremente pelo país. Previu guerra nuclear entre Paquistão e Índia, caso o Paquistão não extradite os terroristas para a pátria de Ghandi. O terceiro, que lembrou que Bombaim, antigo nome de Mumbai, foi dado pelos portugueses (significa “boa baía”), afirmou que para os terroristas islâmicos o prazer só existe depois da morte e que Mumbai é, além de cidade do trabalho, uma cidade dos prazeres, com suas praias, sua liberdade, sua noite efervescente. Imaginei-me aos pés do execrável Bin Laden, o rei do caos e da violência, presidente do globo terrestre! Xinguei o inepto Bush por não tê-lo prendido, apesar do dispêndio de bilhões de dólares em sete anos. Tomei um verdadeiro pisão das notícias. Depois de ingerir um calmantezinho e um sal de frutas, dormi. Não creio que tenha tido um sono agitado ou pesadelos. No entanto, acordei uma barata tetraplégica.