O autor deste livro é sósia daquele Régis Bonvicino, que publicou Bicho Papel em 1975 e Régis Hotel em 1978, feixes de poemas de forte construção e restrita circulação. Ou seria uma cópia? Sósia da Cópia. Neste livro a poesia é uma discussão, viva e criativa, do próprio conceito de originalidade. O que é ser original? parece perguntar a lírica de Régis, ao longo de um elegante livrinho, onde desfilam espécimes de todas as formas da poesia brasileira mais recente. Lançando mão de todos esses recursos. A poesia de Régis questiona a originalidade, num livro uno e coeso, evitando a natural dispersão da maior parte dos livros de poemas, onde raramente existe uma idéia central como ímã. Como diz Régis :
o céu
não cai
do céu
Toda a vida da cultura é uma série contínua de traduções (Sósia da Cópia traz várias), empréstimos, heranças, débitos. O romantismo tentou ocultar esse fato por trás do mito do artista sem pai nem mãe, filho apenas de seu próprio gênio. Esse hiper-romantismo, que formou as vanguardas artísticas do início do século, exacerbou ainda mais a ênfase na originalidade criativa. A continuidade da cultura, porém, mostra que só pode haver originalidade contra um pano de fundo de elementos herdados, assimilados, traduzidos.
Na possibilidade dessa reflexão reside a profunda originalidade deste poeta, de alto nível de consciência profissional. Veja-se o poema “Do noticiário”, onde, com uma notícia de jornal e uma cantiga de amigo, citando os Beatles, compõe um extraordinário poema sobre a morte da língua galega, na Espanha.
Praticando o poema curto, característica de toda a sua geração, Régis leva-o a algumas perfeições neste seu Sósia da Cópia. Como se percebe, estamos diante de uma poesia nada espontânea. Ainda bem. A espontaneidade em arte é sempre o resultado de um discurso automatizado. Não importa que Régis diga:
não há saídas
só ruas
viadutos
avenidas
Para poesias como a dele, sempre haverá saída.
Paulo Leminski / Revista Veja / 13 de julho de 1983