Em frente à entrada principal do The Art Institute of Chicago, na South Michigan Avenue, aguardava Mark Strand, que havia me convidado para almoçar, lá mesmo, no restaurante deste museu, que tem em seu acervo magnífico peças surpreendentes, como um retrato de Stephane Mallarmé, feito por Paul Gaugin.
Dali, enquanto o esperava, podia me deleitar com o Stone Cointainer Bulding, conhecido como Associates Center, que – ao contrário dos edifícios comuns – termina num losango inclinado, para baixo. Paul Hoover, o editor da revista New American Writing, que programara uma leitura de Horácio Costa e minha para o Fergunson Theather, do Columbia College, no dia 2 de novembro, havia insistido para que eu me encontrasse com Strand, prêmio Pulitzer, “o tradutor de Carlos Drummond de Andrade”.
Vindo de participar do, apesar do nome, no mínimo “provinciano”, International Writing Program, da Universidade de Iowa, em Iowa City, onde pude confirmar o descaso, não só dos norte-americanos, mas também dos próprios Departamentos de Espanhol e Português pela língua portuguesa, a primeira pergunta que fiz a Mark, um homem já de seus 70 anos, foi se falava português ! De pronto,ele que é admirador de Harold Bloom, disse-me que não: “falo um pouco de espanhol”. Recordei-me, imediatamente, das palavras de agradecimento de Thomas Colchie — o organizador do volume “Travelling in the Family” (Ecco Press, 1986), único de Drummond nos EUA – a Mark Strand, na introdução: “por ter traduzido Drummond do poetês para o poetês” ou algo assim.
Já à mesa, de onde se via o jardim do The Art Institute forrado de folhas de ácer, anunciando rigoroso inverno, Strand, que reside em Chicago, contou-me que havia morado por mais de um ano, entre 1965 e 1966, no Rio de Janeiro. E que, no entanto, não havia aprendido português. Chegara, tanto ao Rio quanto a Drummond, por influência e indicação da poetisa “Brazilian-american” Elizabeth Bishop (casada na época com Lota Macedo Soares), que traduziu, maravilhosamente, para o inglês, a melhor poesia brasileira deste século: o próprio Drummond, Murilo Mendes, Manuel Bandeira, Vinícius de Moraes, João Cabral e outros. Em Iowa, onde “intelectuais” perguntavam-me se a capital do Brasil era Buenos Aires, fiquei sabendo, por brasileiros, que os Departamentos de Espanhol e Português das universidades americanas contratam, cada vez mais, falantes de espanhol para ensinar a língua de Camões! Caberia, portanto, nesse quadro desolador, interferência firme do Itamaraty, criando as Casas do Brasil, onde se lecionaria o “brasileiro”, como reação a esta estúlticie do sistema universitário do Império.
Retomando, pude, então, compreender porque Strand havia vertido os versos fluentes, fortes, de “Iniciação Amorosa” (“Alguma poesia”, 1930), de maneira pouco sutil . Por exemplo, “… O dia era quente, sem vento / O sol lá em cima, as folhas no meio, o dia era quente …” lê-se, num inglês duro: “… It was hot, windless / Above was the sun, between were leaves, it was broiling …”. “Broiling” quer dizer escaldante. Para um norte-americano, talvez, um mero dia quente dos trópicos só pudesse ser compreendido como tórrido ! E a palavra “quente”, utilizada duas vezes por Drummond, devesse ser variada: Strand a usa uma só vez, preferindo, mesmo numa estrofe curta , substituí-la por “escaldante”. Não à toa, seu último livro de ensaios intitula-se “The Weather of the words” (1998). Na bastasse isso, “mundo profundo” (“sunken world”, em strandês) que, no final do poema de Drummond, transforma-se em “… o mundo afundou”, vira, em inglês, “down went the world”!!! Questões de poética também e de qualidade do tradutor !
Strand, que não conheceu pessoalmente Drummond, perguntava-me a respeito de Pelé e de Garrincha. Costumava ir – contava com entusiasmo — nas tardes quentes de domingo , assistí-los no Maracanã. Não sabia que Garricha estava morto. Com vivo interesse me indagava a respeito de Elisete Cardoso e do Tamba Trio. Informei-lhe que havia acabado de sair uma ótima coletânea do Tamba, pela coleção “Milleniun”. Em suma, nada sabia do Brasil de hoje. Tomamos um táxi. Mark deixou-me na calçada do Federal Center, um dos muitos edifícios de Mies van der Rohe, em Chicago — o que tem, em seu jardim, o móbile “Flamingo”, de Alexander Calder. Ali, naquele momento, pensando acerca do destino dos poetas de língua portuguesa e do destino da própria língua, nunca imaginei que fosse me lembrar do centenário verso de Olavo Bilac, especialmente num cenário futurista: ”Última flor do Lácio, inculta e bela, / És, a um tempo, esplendor e sepultura”….