Poesia é o que se ganha na tradução
Entrevista de Régis Bonvicino a Dênia Silveira
Dênia Silveira: O que veio primeiro em sua vida, o poeta ou o tradutor?
Régis Bonvicino: O poeta.
DS: É possível traduzir poesia?
RB: Sim. Há inúmeros exemplos de traduções bem-sucedidas no mundo.
DS: O resultado da tradução de poesia é poesia?
RB: Quando a tradução recria o poema original, sim. Quando se faz tradução literal, não.
DS: Para Robert Frost, “poesia é o que se perde na tradução”. O que acha disso?
RB: Poesia é o que se ganha na tradução. É um ótimo exercício para os poetas, um aprendizado. Tradução é diálogo, e o diálogo entre poetas é sempre muito bom. Frost é um neo-romântico mediano. De sua cabeça, só poderia vir uma frase de efeito tão estúpida. Ele privilegia a “inspiração” em seu sentido mais torpe, entorpecido. Num mundo entrelaçado, a tradução é essencial. Há poemas traduzidos para o português que são bastante melhores que poemas produzidos em português. Leia-se o que Augusto de Campos traduziu: chega a ser melhor do que sua poesia em si – uma poesia derivativa de soluções da vanguarda européia do início do século xx. E melhor do que 95% do que se escreve hoje como poesia original em língua portuguesa. Considere-se o caso de Gregório de Matos no que se refere a Gôngora e Quevedo. Manuel Bandeira fez traduções que são melhores do que toda a obra de muitos autores. Mário Faustino fez traduções superiores a seus próprios poemas, em muitos casos.
DS: É preciso ser poeta para traduzir poesia?
RB: Sim. Só alguns poetas conseguem traduzir poesia.
DS: Até onde um tradutor de poesia pode interferir no texto? Até que ponto tal interferência resulta na tradução de um poema ou se torna uma nova criação ou transcriação?
RB: Todos os poemas originais são uma espécie de tradução, sobretudo nesse momento epigonal da poesia do mundo todo. O tradutor pode interferir até o limite do erro. Se não comete erros, pode se liberar e criar. Transcriação é, para mim, um palavrão cunhado por Haroldo de Campos: não faz sentido em virtude de ser rebarbativo e ainda pernóstico. Pergunto: o que é “original”? E o que é “tradução”? Carlos Drummond de Andrade cansou de “traduzir” Paul Éluard em seus poemas de A rosa do povo. E seus poemas são originais, em todos os sentidos.
DS: Para você, qual é a diferença entre a poesia que traduz e a poesia que escreve? Em outras palavras, qual é a diferença entre sua tradução e sua criação?
RB: Existe diferença. Qual? Tendo a escrever em linhas curtas e me valer muito da parataxe. Às vezes, traduzo aquilo que não consigo escrever, numa espécie de compensação de meus limites. Traduzo por prazer e para acrescentar diferenças, diferenças em relação a mim mesmo e ao “cânon” (ou seria “cano” brasileiro). Nunca traduzo nada por encomenda. O que traduzo faz parte de meu projeto poético e crítico. Aliás, acabo de finalizar um livro com poemas do norte-americano Charles Bernstein. Escolhi todos os poemas. Com esse livro, declaro-me aposentado como tradutor. Sou impaciente e a tradução me irrita enquanto processo.
DS: Você já traduziu algum poema seu para outro idioma? Nesse caso, você considera o resultado uma tradução ou uma criação? O que foi mais difícil, escrever esses poemas ou traduzi-los? O poeta tradutor é a pessoa mais indicada para traduzir a própria obra?
RB: Jamais traduziria um poema de minha autoria para outra língua. Sou native speaker de português. E acho isso pernóstico, arrogante.
DS: Você já teve uma obra traduzida por outra pessoa para algum idioma que você domina? O que achou do resultado? Como se sentiu?
RB: Sim. Tenho livros publicados nos Estados Unidos, pela Sun & Moon Press, e no México. Nesses casos, considero que meus poemas não mais me pertencem. Todavia, apreciei bastante os trabalhos do poeta Michael Palmer e da tradutora Odile Cisneros. Tenho poemas traduzidos igualmente para línguas que não domino: finlandês, chinês, catalão etc.
DS: Você considera a tradução poética devidamente valorizada e reconhecida?
RB: Não. Há preconceito contra a tradução e ela potencializa o leitor como um ser onipotente, que, ao cotejar, sempre encontra defeitos, invariavelmente. Por que há preconceito? Porque o Brasil é um país extremamente provinciano e fechado em si mesmo.