Régis Bonvicino é poeta.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu não tenho um roteiro fixo para começar o dia ou um dia. Os começos variam de acordo com os dias. Mas eu procuro resolver questões práticas bem de manhã, ´porque depois sigo para o meu trabalho profissional.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu trabalho, em termos de composição poética, em qualquer horário, muito em minha cabeça. Os poemas se iniciam nos lugares mais imprevisíveis. Mas prefiro trabalhar à noite. Prefiro fazer prosa crítica de manhã.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho nenhuma meta diária. O verbo “escrever”. Escrever, escritor, poeta, poesia se tornaram vocábulos banais, corriqueiros e até, digamos, meio pejorativos: deve haver uns 50.000 no país, 97,5% de inópia. Há um amadorismo geral. Um diletantismo, uma pobreza de conceitos e elaborações. A arte se dá em um diálogo entre vivos e mortos, mas hoje parece se dar em ações entre amigos. Eu não “escrevo”, eu componho, construo, crio, o que pode nada garantir. Quase todos os meus poemas nascem nas ruas, de impactos que sofro nas ruas. Eu fotografo sempre o que capto nas ruas. É a melhor maneira hoje de se anotar, pela pressa e pressão. Eu também estudo a paisagem linguística das redes sociais, websites etc.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu componho quando tenho um conceito e ou uma sequência de um conceito, que apliquei em outro poema etc. Eu acumulo material, mas preciso de um conceito para fazer alguma coisa. O meu processo básico descrevi acima.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu não tenho travas. Não sou infantil: não tenho expectativas. Não espero aprovação. Prefiro demorar e lapidar a fazer depressa. Eu não sinto ansiedade. Compor, com os detalhes de precisão com os quais trabalho, é uma tortura, mas é um prazer. O que penso sobre literatura agora, de uns 20 anos para cá. A pós-poesia e a pós-prosa existem, não é só a pós-verdade que existe: a literatura, desses tempos, é conciliatória e resignada (embora pareça de “oposição”), facilmente cooptável (por eventos, prêmios, subvenções e outros instrumentos), porque perdeu seu contorno dissidente. É doce e “humanista”. Mas nada mudará nas próximas décadas. Byung-Chul Han: “O resultado é uma informação que circula independentemente do contexto que a torna compreensível e a conecta com uma paisagem cognitiva mais ampla, enquanto toda estranheza, diversidade, deformidade é eliminada, porque retarda a fluidez da comunicação ilimitada”.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Alguns até 40 vezes! Mas eu faço o poema e depois de um tempo volto a ele sempre. Só acredito em trabalho.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Meus rascunhos começam à mão, com a memória e com fotos e depois abro um arquivo para eles no computador. O computador ajuda na clareza. Eu acho que a tecnologia é – uma obviedade – o bem e é o mal.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Eu tenho uma visão de mundo, tenho minhas fraturas, dores, prazeres. Então, acho que as ideias surgem daí. Não faço “academia ou fitness criativos”, risos. E nunca falo de mim em poemas.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Eu os faria do mesmo jeito quer fiz os poemas do meu início, com erros e ou acertos. Errar faz parte de compor. O domínio aumenta com o passar do tempo.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Há tantos livros. Faz tempo que me defendo de tanta música, de tantos livros, exposições, peças, informações etc. Eu leio bem mais ensaios do que prosa literária – de uns 20 anos para cá, “realista”, autofictiva, de autoajuda obliquamente. Sem qualquer caráter de risco. Um livro que eu gostaria de ler e ainda não existe? Um livro que demonstre o óbvio: como as editoras da concorrência passam ao cartel, estimulando uma oligarquia opressora e anticriativa, e como os autores se enquadram nisso, se submetem. Projetos próprios? Tenho muitos, mas prefiro não os revelar: eu sou supersticioso.