ENTREVISTA COM DOUGLAS MESSERLI
Você vê futuro para a poesia em um mundo mercantilista?
A poesia ou qualquer atividade literária inovadora vai enfrentar dificuldades de sobrevivência em um mundo, cada vez mais, voltado para o consumo. Todavia, se alguma literatura inovadora conseguir sobreviver, será a poesia, pois, entre todas as artes, é a menos vinculada às mudanças monetárias.
Aqui, nos Estados Unidos, o teatro (não o de Andrew Lloyd Weber) e a poesia têm estado em tão longa quarentena de remuneração financeira que os escritores jovens se sentiram à vontade para se dedicar ao experimentalismo, para tentar novas linguagens — o que é essencial para a permanência da arte séria. Aqui, talvez, por ter se “alienado” da indústria cultural, a poesia tenha se fortalecido. Todavia, não me agrada a idéia de arte marginal, que propositadamente se situa à parte e contra a sociedade. Quero trabalhar dentro da sociedade, para colaborar com sua mudança.
O processo de globalização pode criar uma “dicção universal”?
Espero que não se, com “dicção universal”, você quer dizer a anulação de estilos particulares de escrever e de falar. Não há uma forma correta e única de expressar experiência. Trabalho por maiores e não menores complexidades nas línguas: Deus viu-se obrigado a destruir a Torre de Babel, apreensivo com o “poder do burburinho”. Por outro lado, é importante comunicar-se, tentar compreender o outro e tolerar as diferenças de significado que, cada um de nós, representa. Comunicação é importante. Uma língua universal não.
Sua poesia contém pontos de vista sociais?
É impossível que a poesia não tenha pontos de vista sociais. O poema é, num certo sentido, um “acordo”, entre autor e leitor, para se compartilhar a língua. Uma grande parte da poesia, da ficção e do teatro, no entanto, apresenta preocupações sociais da mesma forma que as empresas apresentam seus produtos. Como em verdadeiros comerciais, as questões são caracterizadas de modo a manipular o leitor. Não existe resposta fácil para os problemas que nos atormentam.
Qual sua opinião sobre Ezra Pound, William Carlos Williams e Gertrude Stein?
Você enumerou a “divina trindade” da poesia inovadora nos Estados Unidos. Com Pound, aprendi o que poderia ser um poeta. Com Williams, aprendi o que é um poema. Com Stein, aprendi como escrever um poema. Pound nunca me agradou muito como poeta, embora os “Cantos” sejam até hoje surpreendentes, mas foi decisivo a me ajudar a compreender o que significa ser poeta. Prefiro o Williams experimentalista de “Spring and All” (1923) ao “bom doutor”, de “Paterson” (1946/58). Williams mostrou como um norte-americano poderia escrever poesia, diferentemente de italianos ou franceses. Pound, em geral, se inspirava em modelos europeus, enquanto Williams fez poemas vinculados ao mundo dos plátanos e dos “cortadores de grama”, no qual vivi. Vidros quebrados num terreno baldio jamais seriam assunto para Pound! Stein foi a poeta mais importante. Poesia: uma vida vivida poeticamente. Stein escreveu a poesia que mudou nossa maneira de ver o mundo.
Como você se situa na poesia norte-americana de hoje? O que é “Language Poetry”?
Escrevi peças de teatro e ficção antes de escrever poesia. Já estava na pós-graduação quando, estimulado por Marjorie Perloff, passei a me interessar por poesia em si. Por ter começado “tarde”, mergulhei diretamente no estilo inovador daquele momento. Escrevia de modo “tão diferente”, que os amigos diziam que o meu trabalho parecia “tradução” de uma língua exótica. Passei a editar uma revista, a “Sun & Moon: A Journal of Literature and Art” e descobri que outros, como Bruce Andrews, Charles Berstein, Ted Geenwald, Ray Di Palma e James Sherry, estavam explorando um território diverso do explorado por Charles Olson e pelos poetas da “Escola de Nova York” ou do explorado por aqueles que ainda acreditavam nos “Beats”. Estava interessado no processo da linguagem (palavra a palavra,sílaba a sílaba). E em como este processo produzia significado. Cada um escreveu poemas diferentes entre si, porém,nossas preocupações e atitudes eram semelhantes. Dentro do que a poeta Lyn Hejinian descreveu como um “acidente intencional”, formamos um grupo. Com o tempo, apesar das inúmeras diferenças, este “grupo” passou a ser designado como “Language Poetry” pois muitos de nós havíamos colaborado na revista “L=A=N=G=U=A=G=E”, editada por Charles Bernstein e Bruce Andrews. Escritores da geração anterior, como Michael Palmer, por exemplo, passaram também a estar associados com o termo “L=A=N=G=U=A=G=E”. Mas não passávamos de um tempo e de um lugar, uma geração preocupada com a trivialização da poesia e com a necessidade de novas perspectivas. Já existia uma antologia de “Language”, editada por Ron Silliman. Porém, resolvi — a convite da editora “New Directions” — editar a minha, batizada de “Language Poetries”. Essas duas antologias definiram a “Language Poetry”. Todavia, o alvoroço suscitou questões sérias. Os poetas de San Francisco recriaram uma espécie de “igrejinha”, seguindo o modelo da Escola de Nova York, que tanto abjurávamos. Este foi o final da “Language”, se é que houve um começo.
Depois do “fim” do ” movimento”, retomei meus interesses multidisciplinares: poesia, prosa de ficção, cinema, teatro — fundidos. Escrevi, por exemplo, “Along Without”, primeiro volume de uma trilogia. “The Structure of Destrution”, com o subtítulo “A Fiction in Film for Poetry” (1993). Mas ,também, retornei à poesia lírica e estou para lançar, entre outros, a coletânea “After”.
A poesia norte-americana de hoje é muito estimulante e diversa. O público tem crescido.Há novos poetas com trabalhos surpreendentes. A poesia é, no momento, a mais saudável e vigorosa das artes nos Estados Unidos.
Como você criou a Editora “Sun & Moon”?
A Editora nasceu da revista. E de minha convicção de que os escritores inovadores (teatro, poesia, ficção) haviam sido abandonados por editores comerciais e pelos professores universitários, que se voltaram para a teoria: Derrida, Lacan e outras figuras “não literárias”, como centro de pesquisa e aula.Estas idéias podiam ser aplicadas a qualquer escritor do passado e do presente — inexistindo razão para se ler e ensinar poesia contemporânea. Voltei-me contra esse padrão e comecei a trabalhar com os resquícios remanescentes da poesia inovadora. Passei a publicar autores contemporâneos e, depois, iniciei a publicação da série “Clássicos”, com Gertrude Stein, Paul Celan e, por exemplo, Eça de Queirós. Estes livros são “modelos”, agora, para as Universidades.
O que significa, afinal, poesia inovadora para você?
A poesia que entendo mais estimulante por vezes me deixa confuso,preso em uma armadilha, frustrado e, até mesmo, me faz sentir ódio ou me exalta por tanta beleza de sons e significados possíveis. Gosto da poesia que me faz repensar o que sei, que me exige a encontrar novos sentidos para minha existência. Este “significado para mim mesmo” é mais importante do que o poema, ao demonstrar, de modo transparente, um significado para todos. Literatura não é um “troféu”, que você leva para casa. Quero reencontrá-la todos os dias, em termos novos. Um bom poema me faz voltar a ele pelo desafio que representa, por sua energia. Linguagem é força viva — que muda e que se transforma. Poesia inovadora é um modo de se ver o mundo e não mera atividade de escrita.
Tradução de Regina Alfarano e Régis Bonvicino