Entrevista de Régis Bonvicino para Maria João Caetano (jornal Ponto Final, de Macau, China, fevereiro de 2013).
Maria Caetano: Você esteve há dois anos em Macau numa visita à Universidade de Macau, quando participava de um encontro internacional de poetas em Hong Kong, aqui ao lado. Nessa altura, viu editada uma versão trilíngue da sua poesia pela China University Press. Como o acolheu o leitor de língua chinesa? Que reações obteve?
Régis Bonvicino: Acabei perdendo, em novembro de 2011, um voo de Londres a Hong Kong e não cheguei então, infelizmente, a tempo para fazer a leitura que estava marcada na Universidade de Macau. Entretanto, visitei Macau por um dia e, por exemplo, no Leal Senado me senti em uma cidade histórica brasileira (Paraty ou Ouro Preto), pela semelhança arquitetônica, ou mesmo me senti em trechos do centro velho da cidade de São Paulo, onde nasci e resido. É a colonização portuguesa. São as pedras portuguesas. A fusão de culturas de Macau me atrai. Macau é singular, contrastada, mas, de algum modo, por incrível que possa parecer, me evocou algumas cidades brasileiras. Quanto à segunda parte da pergunta, tive o prazer de ser destacado por uma revista de Hong Kong e por alguns jornais como uma das boas participações da International Poetry de Hong Kong. Quanto ao livro que menciona, tive também o prazer de, nesta semana de fevereiro de 2013, ler uma resenha que saiu no website Mosquito, que diz: “The addition of poets like Brazilian Régis Bonvicino (writing in Portuguese, despite his French-Italian name) and German-born Russian poet Arkadii Dragomoshchenko further reinforces the sense of a grandiloquent, irreverent dialogue occurring across the seven seas. Bonvicino’s chapbook includes an untitled poem dedicated to Dragomoshchencko, which begins: ‘Almost no one sees/ what I see in the words/ byzantine iconoclasm/ the clock reads midnight or mid-day?’ (56). Indeed, the byzantine iconoclasm of this box set is what astonishes most of all, the overriding and often overwhelming sense that, night or day, it is high time for all of us to wake up”. Recebi também uns poucos e-mails de estudantes que me ouviram em Hong Kong, me cumprimentando. É imperioso restabelecer o liame entre poeta e público. Não se escreve para si mesmo.
MC: Você se fez pen-friend de Yao Jimning, o poeta Yao Feng, lançando com ele há anos uma antologia de poesia chinesa no Brasil. Como foi por seu turno recebida esta poesia no Brasil? E como se interessou pelos poetas incluídos na antologia?
RB: Sim, conheci Yao Feng pela internet – um netfriend. Eu o procurei em 1999. Um barco remenda o mar (2007) é um livro único, porque mostra um bocadinho de poesia chinesa contemporânea, o que não se faz em língua portuguesa. O livro foi bem recebido no Brasil, faz sucesso de estima, desperta interesse até hoje. E eu apenas colaborei com Yao Feng, a quem se deve o volume. Ele fez as traduções literais e eu as vertia para o poetês brasileiro de hoje e, depois, ele as aprovava. Bei Dao é hoje um poeta conhecido no Brasil em decorrência deste livro e graças a Yao Feng. Este trabalho só me enriqueceu e me abriu horizontes.
MC: Há algum diálogo entre a sua poesia e a poesia chinesa que conheceu? Influenciou-o de alguma forma?
RB: Sou um poeta da tentativa de concretude da linguagem, nascido (1955) em um país então pobre e periférico. Não gosto do abstrato, do metafórico, do genérico em poesia. Percebi que a língua chinesa tem essa concretude em si mesma, o que o português não tem. Percebo semelhanças e também diferenças entre a poesia chinesa de hoje e o que faço e, de verdade, não saberia dizer se ela me influenciou. A China me influencia sim, é outra visão de mundo, e esses contrastes me põem em xeque. Percebi que o tempo na poesia chinesa é um e na brasileira outro, bem mais aflito. A China tem 5 mil anos de história e o Brasil quinhentos anos. A primeira obra de arte que despertou meu interesse pela China foi um documentário, do cineasta italiano Michelangelo Antonioni, intitulado Chung Kuo – Cina, de 1972, a que assisti aos fragmentos nos anos 1980 e que revi recentemente também aos fragmentos, porque não foi lançado comercialmente. O que ocorreu na China de 1979 para cá, com as reformas econômicas Deng Xioping, equivale à Primeira Revolução Industrial inglesa. Não se fica indiferente diante da China. Não me encontrei com a China por meio da religião (budismo etc.), mas através do cinema e, depois, da poesia, através de Ezra Pound. E, mais recentemente, pelo diálogo com Yao Feng e Bei Dao (que conheci até antes do próprio Yao por meio do poeta norte-americano Michael Palmer).
MC: Os críticos dizem-nos que você procura uma ética para a poesia, dizem-nos também que oscila também entre uma prosa curta e a poesia. A haver um código de ética para a poesia, quais seriam os seus principais mandamentos?
RB: Pautei-me sempre, apesar de meu temperamento explosivo quando mais jovem, pela busca da verdade e da coerência. Prefiro a crítica dura ao elogio, no que toca ao meu trabalho. Só a crítica séria me fez crescer como escritor. O elogio amolece. A ética então é uma tópica existencial e não propriamente poética. Detesto fazer autopropaganda, detesto fazer propaganda de meu trabalho. Desengajo-me dessa era da literatura do marketing, de prêmios, de condecorações, uma época fugaz e leviana, em termos literários. Há uma década e meia mal tenho contato com a parte social da literatura. Dirijo uma revista literária (Sibila, http://sibila.com.br) bastante crítica em relação à poesia brasileira e à mundial. Não quero seduzir ninguém, quero convencer, se ainda for possível. Não tenho mandamentos, mas princípios. Gosto da ideia de uma ética para a estética também.
MC: Sente falta do ritmo, da música, na poesia de hoje?
RB: A poesia do Ocidente hoje vive uma grande crise, produto da erosão dos paradigmas, que caíram com o Muro de Berlim, em 1989, e, depois, com a quebra do Lehman Brothers em 2008. Há uma subpoesia de uma subpoesia etc. E milhares de falsos poetas, epígonos etc. A internet permitiu o poeta sem consentimento, criou uma liberdade fatal, acrítica, embora eu aprecie a internet, ela precisa de mais critérios. Eu sinto é falta de poesia que gere ideias, que se invente, que não se deduza da literatura exceto de uma experiência. E não falta de ritmo ou música.
MC: Tem uma intervenção planejada para a sua participação no festival Rota das Letras (Macau, de 10 a 16 de março de 2013)? O que espera poder fazer lá?
RB: Preparei um texto sobre a “A poesia e a língua portuguesa na era da internet” para falar em Macau. E me dizem que lerei poemas. É o que espero fazer.
Programa – Festival Literário de Macau, 9 a 17 de março de 2013*
Dia 9
14h30 – Feira do Livro – Praça da Amizade (Espaço Sintra)17h – Concerto: Bernardo Devlin do projeto “T(h)ree” – Praça da Amizade (Espaço Sintra)18h – Concerto: banda local L.A.V.Y. – Praça da Amizade (Espaço Sintra)
Dia 10
10h30 – Filme: Nada tenho de meu, de Miguel Gonçalves Mendes – Centro de Ciência de Macau15h – Cerimônia de abertura e lançamento do livro de contos – Centro de Ciência de Macau16h – Sessão: “Influências e perspectivas do escritor num mundo globalizado”, com Régis Bonvicino, Mauro Munhoz, Bi Feiyu, Luís Cardoso, Dulce Maria Cardoso, José Eduardo Agualusa e um escritor local a confirmar. Moderação de Agnes Lam. – Centro de Ciência de Macau18h30 – Abertura oficial da Feira do Livro – Praça da Amizade (Espaço Sintra)19h – Concerto: Inês Trickovic – Praça da Amizade (Espaço Sintra)
Dia 11
10h30 – Sessões em escolas e universidades18h – Sessão: “Literatura de Viagens” com Joaquim Magalhães de Castro, Alexandra Lucas Coelho, Babara Bulhosa, Sheng Keyi e Deana Barroqueiro. Moderação de Hélder Beja – Fundação Rui Cunha18h – Sessão de poesia: “Reféns da lua” com Régis Bonvicino, Yi Sha, Xi Murong, Li Shaojun e poetas locais. Moderação de Yao Feng – Casa do Mandarim19h30 – Filme: De um lado para o outro – Diários Da Mongólia, de Joaquim Magalhães de Castro. – Fundação Rui Cunha
Dia 12
10h30 – Sessões em escolas e universidades18h – Homenagem a Jorge Amado e inauguração da exposição com a presença da filha do autor, Paloma Jorge Amado – Albergue SCM18h – Sessão com escritores chineses locais e convidados, organizada pelo Macau Pen Club – Associação Fantasia19h30 – Filme: Jorge Amado, de João Moreira Salles – Albergue SCM
Dia 13
10h30 – Sessões em escolas e universidades18h – Sessão: “O romance contemporâneo chinês” com Bi Feiyu, Wang Gang, Hong Ying e Han Shaogong. Moderação de Qiu Huadong – Local a confirmar18h – Sessão: “Literatura e humor” com Rui Zink, Ricardo Araújo Pereira e Carlos Vaz Marques – Centro Cultural de Macau20h – Filmes: China, China, Alvorada vermelha e A última vez que vi Macau, todos de João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata, com a presença dos realizadores – Centro Cultural de Macau
Dia 14
10h30 – Sessões em escolas e universidades17h – Inauguração da exposição Além das palavras. Curadora: Alice Kok19h – Inauguração da exposição Um diálogo de cores, com pintores convidados Theodore Mesquita, chen Yu e Huang Liyan – Casa Garden
Dia 15
10h30 – Sessões em escolas e universidades13h30 – Workshop de jornalismo literário com Alexandra Lucas Coelho – Livraria Portuguesa15h30 – Workshop de escrita criativa com Rui Zink – Livraria Portuguesa18h – Sessão: “Todas as literaturas dentro da língua portuguesa” com Francisco José Viegas, Paulina Chiziane, Luís Cardoso e Valter Hugo Mãe. Moderação de Frederico Rato – Instituto Português do Oriente18h – Sessão: “O que há de especial no sul da China?”, com Li Shaojun, Pan Wei e Huang Lihai. Moderação de António Conceição Júnior. – Livraria Portuguesa20h – Concerto a confirmar – Venetian Theater
Dia 16
10h30 – Conferência cênica com Teatro Bruto – Escola Portuguesa11h30 – Filme: Hou Bo, Xu Xiaobing, Mao’s photographers, de Claude Hudelot e Jean Michelle Vecchinet – Instituto Português do Oriente13h30 – Filmes: Journey to the south, de Wiseman Wang, Na escama do dragão, de Ivo Ferreira, e Capitães da areia, de Cecília Amado.20h – Concertos: Dead Combo e Camané – Venetian Theater
Dia 17
16h – Pós-evento: “Cidades, espaço e literatura”, com Mauro Munhoz e Carlos Marreiros – Local a confirmar