QUESTIONÁRIO EX-LIBRIS
Entrevista para o jornal O ESTADO DE S. PAULO,
Caderno Cultura, março de 2006
Cultura: Que livro você mais relê? E qual a sua impressão das releituras?
Régis Bonvicino: Releio sempre poemas soltos, por exemplo, de Carlos Drummond de Andrade, de Murilo Mendes, de João Cabral. Reli recentemente o poema imagista de Ezra Pound “In a Station of the Metro” e, cada vez mais, me impressiono com ele. Embora seja curtíssimo (The apparition of these faces in the crowd; / Petals, on a wet, black bough), parece-me inesgotável em seus sentidos.
Cultura: Dê um exemplo de um livro muito injustiçado, pela crítica ou pelo público.
Régis Bonvicino: São muitíssimos os injustiçados pela crítica. A crítica é amadorística no Brasil, no sentido técnico, e “aparelhista” em virtude de estar quase sempre teleguiada por interesses obscuros, de grupos e de editoras. Há poucos críticos que são eruditos e independentes. Um livro injustiçado pelo público: A Educação pela Pedra (1966), de João Cabral.
Cultura: Cite um livro que frustrou suas melhores expectativas.
Régis Bonvicino: O resultado da produção de Haroldo de Campos de 1985 até sua morte em 2003.
Cultura: E um livro surpreendente, ou seja, bom e pelo qual você não dava nada.
Régis Bonvicino: Um Copo de Cólera, de Raduan Nassar.
Cultura: A boa literatura está cheia de cenas marcantes. Cite algumas de sua antologia pessoal.
Régis Bonvicino: O filho esperando o pai, à beira do rio, no conto A Terceira Margem do Rio, de Guimarães Rosa.
Cultura: Que personagens são tão marcantes que ganham vida própria na sua imaginação de leitor?
Régis Bonvicino: Espanha, de Murilo Mendes.
Cultura: Que livro bom lhe fez mal, de tão perturbador?
Régis Bonvicino: O Processo, de Kafka, alertando-me que o absurdo existe como realidade cotidiana.
Cultura: E que livro mais o fez pensar?
Régis Bonvicino: Os dicionários.
Cultura: De qual autor você leu tudo, ou quase tudo? Qual o motivo do interesse que ele desperta em você?
Régis Bonvicino: Carlos Drummond de Andrade. É o melhor poeta de língua “brasileira” de todos os tempos.
Cultura: Existe algum autor com o qual você jamais perderia seu tempo?
Régis Bonvicino: a maior parte dos poetas do Brasil e do mundo.
Cultura: Cite um livro que foi fundamental em sua formação, mesmo que hoje você não o considere tão bom como na época em que o leu.
Régis Bonvicino: Os poemas de Jorge Luis Borges eparte de sua prosa. Hoje, relendo-o, acho-o, digamos, bem maislimitado do que diz a lenda. Borges é meio parnaso: faz literatura de citações, cria labirintos excessivamente literários.
Cultura: Você considera a literatura policial é um gênero menor? Se a resposta for negativa cite um livro maior do gênero. Se for positiva, diga por quê.
Régis Bonvicino: Não existem gêneros maiores e ou menores. Um livro genial que parte de caso de polícia? A Sangue Frio, do Truman Capote.
Cultura: Os livros de auto-ajuda são mesmo todos ruins, ou isso é puro preconceito da crítica? Caso goste de algum deles, poderia citá-lo e justificar sua preferência?
Régis Bonvicino: São todos ruins e fraudulentos. Aliás, a prosa que se escreve hoje no Brasil é “auto-ajuda” disfarçada.
Cultura:
a) Um livro meio chato, mas bom.
Régis Bonvicino: Finnegans Wake, de James Joyce, que é excelente.
b) Um livro que você acha que deve ser muito bom mas jamais leu.
Régis Bonvicino: São tantos!Sou mais intuitivo do que erudito ou disciplinado.
c) Um livro difícil, mas indispensável.
Régis Bonvicino: Tratactus, de Ludwig Wittgenstein.
d) Um livro que começa muito bem e se perde no caminho.
Régis Bonvicino: Os Cantos, de Ezra Pound. O Canto que se refere à usura, por exemplo, é maravilhoso até mencionar Mussolini.
e) Um livro que começa mal e se encontra.
Régis Bonvicino: não me lembro agora.
f) Um livro ruim por ser pretensioso.
Régis Bonvicino: Um Mestre na Periferia do Capitalismo, de Roberto Schwartz, que se pretende mais machadiano do que Machado de Assis, que pretende saber mais de Machado do que o próprio, que se acha melhor do que Machado.
g) Um livro pior do que o filme baseado nele.
Régis Bonvicino: por incrível que pareça, Morte em Veneza, de Thomas Mann. O livro é maravilhoso mas prefiro o filme de título homônimo de Luchino Visconti.
Cultura: Que livros ficariam melhores se um pedaço fosse suprimido?
Régis Bonvicino: Invenção de Orfeu, de Jorge de Lima.
Cultura: De que livro você mudaria o final? Por quê?
Régis Bonvicino: daqueles que dizem que há esperança…
Cultura: Que livros que contrariam suas convicções mas que ainda assim você julga de leitura imprescindível?
Régis Bonvicino: A Formação da Literatura Brasileira, do Prof. Antonio Candido. O Reacionário, de Nelson Rodrigues.
Cultura: Cite exemplos de livros assassinados pela tradução e exemplos de boas traduções.
Régis Bonvicino: O Folhas da Relva, de Walt Whitman, lançado recentemente, foi assassinado pelo tradutor. Boas traduções: as feitas por Augusto de Campos.
Cultura: A literatura contemporânea é muito criticada. Que livro (s) publicado (s) nos últimos dez anos mereceria, para você, a honraria de clássico?
Régis Bonvicino: Só o tempo decide o que é um clássico.
Cultura: Para que clássico brasileiro, de qualquer tempo, você escreveria um prefácio incitando a leitura?
Régis Bonvicino: Primeiras Estórias, de Guimarães Rosa.
Cultura: Que livros (brasileiros ou estrangeiros) sempre presentes nos cânones que não mereceriam seu voto? E um sempre ausente no qual você votaria?
Régis Bonvicino: Prefiro a idéia de “móbile” (Alexander Calder) à de cânone. E incluiria no “móbile” alguns livros de crítica da norte-americana Marjorie Perloff e de Mário Faustino.
Cultura: sobre a crítica
a) Que livro festejado pela crítica você detestou?
Régis Bonvicino: Toda a prosade Chico Buarque de Hollanda, muito diluída. Aliás, acho Chico mau cantor, mau pensador musical, um cara que “vende”, na música, nostalgia, passadismo, e “brasilidade” como “arte”.
b) E de que livro demolido por críticos você gostou?
Régis Bonvicino: APoesia Completa e Prosa, do Murilo Mendes, editada em 1994.
c) Quais bons autores você só descobriu alertado pela crítica?
Régis Bonvicino: nenhum, infelizmente.
Cultura: Cite um vício literário que você considera abominável.
Régis Bonvicino: a auto-promoção, o aparelhismoe o oficialismo, onipresentes no panorama brasileiro.
Cultura: Que virtude mais preza na boa literatura?
Régis Bonvicino: a capacidade de acrescentar percepções críticas.