Cheguei em Barcelona no dia 7 de outubro, vindo do “estelionato Paris”, e um dos lugares que programei para conhecer foi o Camp Nou, do Barcelona. Numa tarde ensolarada, peguei o metrô e fui realizar “um sonho”, porque, daqui do Brasil, ele é “vendido” como um estádio, para usar o clichê, de “primeiro mundo”. Glamour e estrelas! As estações de metrô, embora os trens sejam excelentes, são distantes umas das outras e demorei para chegar lá. O Barcelona representa o que se chama de “novo catalanismo”, ou seja, a força do separatismo da Catalunha de Espanha. O outro clube da cidade chama-se Español, que, à força, mudou seu nome para Espanyol, e foi obrigado a ceder o seu estádio, o Sarriá, onde o Brasil foi eliminado pela Itália na Copa do Mundo de 1982, para a construção de condomínios de luxo. Num deles, residiu João Cabral de Melo Neto nos anos 1960, quando de sua segunda passagem por Barcelona. Sua primeira passagem, de 1947 a 1951, foi fundamental. Nela ele imprimiu o primeiro livro de Joan Brossa, estreitou-se com Miró, tornou-se uma espécie de mentor intelectual de Tapiès e, sua casa, na calle Muntaner, graças às suas imunidades diplomáticas, transformou-se em sede da resistência ao franquismo e ponto de encontro de vários artistas, entre eles o mesmo Miró, como relata-me sua filha Inez Cabral de Melo: “ Oi, Régis, quanto à Barcelona, quando nasci, ele, João Cabral, nós, morávamos na calle Muntaner. Ficamos lá de 1947 a 1951. Da segunda vez, moramos num condomínio moderno, em Pedrallbes. Eu tinha 19 anos e fazia programas com os amigos de meu pai, exceto o Miró. Como qualquer adolescente, meu papo era sobre Rolling Stones, Beatles, Bob Dylan, abaixo Franco!. Eu não lia João Cabral, lia Prévert e Rimbaud, autores aos quais ele me introduzira… “. Ou seja, até em sua segunda estadia, Cabral estimulava a luta contra Franco.
Nacionalismo e separatismo catalão. Lembrei-me de Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino e do consistente dicionário de política, de 1300 páginas, que editaram. Lembrei-me, vagamente, da definição de nacionalismo lançada por eles e fui, depois da visita, buscá-la na internet: “… O princípio democrático e o princípio nacional, de fato, foram se afirmando contemporaneamente, na Europa, durante a Revolução Francesa. É necessário, porém, distinguir claramente os respectivos objetivos. Enquanto o valor perseguido pelo princípio democrático é o da igualdade política, o objetivo do princípio nacional é colocar o Estado nas mãos do povo”. Bobbio e seus parceiros acrescentam: “… o termo nacionalismo designa a ideologia nacional, a ideologia de determinado grupo político, o Estado nacional, que se soprepõe às ideologias dos partidos, absorvendo-as em perspectiva…”.
Hoje, a Catalunha é dirigida pela Esquerra Republicana e Convergência Democrática (centro), em coalisão com outros pequenos partidos de esquerda, que decidiram abrir fogo contra Madri por meio de uma política lingüística, que obriga a todos a aprender o catalão. A coisa chega ao ponto de os empresários serem obrigados a fazer negócios com o Governo em catalão. É a chamada “imersão lingüística”, que usurpa 80 milhões de euros do orçamento governamental e cooptou quase todos os escritores catalães, que recebem cargos e bons salários do Governo. Soube, por Rolando Sánchez Mejias, o Rolo, quando passeávamos à noite por El Ravall, que a poeta Susana Raffart fez uma leitura em homenagem ao aniversário do poeta Joan Maragall (nascido em 10 de outubro de 1860), autor de “Oda a España”, um poema separatista, diante de seu túmulo. Haja submissão! E morbidez. Apesar de os catalães quererem mais autonomia, a maior parte deles quer seguir espanhola. Catalunha sem Espanha seria uma espécie de Portugal – mais um pequeno país da Europa, o que interessa aos Estados Unidos, que, há pouco, “compraram” a Guiné Bissau, colônia lusa até 1975, para lá instalar todo um sistema de radares que controla todo o Oceano Atlântico
Paguei 16 euros e entrei no Camp Nou. Seu gramado é menor do que o do Palestra Itália e o estádio em si é muito pior do que o Morumbi e muito mais feio do que o Pacaembú. Vários lances de arquibancada foram construídos uns sobre os outros sem planejamento e o estádio está repleto de anúncios. Senti-me num supermercado hitleriano. Decepcionado, inclusive, com a loja, suja e caríssima, foi tomar um lanche em Pan & Company, ainda dentro do estádio.
O separatismo catalão é como o Barcelona: puro marketing. Há um caderno sobre a Catalunha distribuído aos visitantes do estádio e seu dístico resume tudo: “La fuerza de la identidad”, porque o Governo catalão substituiu o enfretamento da realidade pela “luta” pela identidade, segundo ele, roubada por Madrid, e governa para uns 10% da população, que se pretendem libertos do “colonialismo” espanhol, sob o argumento do massacre à língua catalã. O espantoso é que, quase todos os escritores, deixaram-se cooptar pelo Governo. Diferentemente do Brasil, onde os políticos representam interesses econômicos, corrupta e perversamente, na Catalunha os empresários estão divorciados dos políticos. Leiam o seguinte: “…Los empresários catalanes, que, tradicionalmente, han liderado la industrialización de España, despiertan ante uma nueva realidad. No sólo las infraestructuras que fallan en cadena, y que han elevado el tono como nunca a las patronales catalanas contra la insuficiente inversión del Estado em Cataluña…”. No mesmo El País, de 18 de novembro, que lia no avião, retornando ao Brasil, os empresários pediam o fim da cultura do “en poco a poco y con buena letra”, para reivindicar apoios à Generalitat para fusões, inovações, sócios estrangeiros, agressividade, internacionalização etc.
O Barcelona representa fielmente o separatismo catalão de José Montilla, Presidente da Generalitat, ou seja, o elenco é formado basicamente por estrangeiros como Ronaldinho, Eto’o, Messi, Henry: um separatismo de fachada, de marketing, um separatismo medieval, que, com isso, ignora a realidade pobre da Grande Barcelona, de 4 milhões e meio de habitantes e 33 municípios, carentes de mais transportes, apoio social etc. A Barcelona dos turistas se resume a uma dúzia de Ramblas, globalizadas, e mais a Praça de Catalunha, o Passeig de Gràcia, Mare Magnum, Vila Olímpica, Monjuic, onde está o Museu Miró etc. E, nelas, pouco a pouco, a arquitetura para o morador local, como observa a arquiteta fluminense Ester Limonad, vai cedendo espaço à uma arquitetura “for export”, lado a lado com as velhas edificações, várias delas mal preservadas. O símbolo dessa mentalidade separatista medival-pós-moderna é, para mim, a Torre Agbar, do arquiteto francês Jean Nouvell. Um edifício sob a forma de um foguete, obviamente americanizado, em plena cidade de Gaudi e Miró! O edifício é tão abstrato quanto a “política de identidade” adotada por Montilla. Anota Limonad: “…A cidade não é mais pensada para o uso de seus habitantes, mas, para o consumo global e tais práticas transformaram-na em um patchwork, onde o novo se superpõe e cola-se ao antigo, destruindo a história dos lugares…”. Barcelona ainda tem um dos mais ricos patrimônios históricos da Europa. E, curioso, podem-se ver roupas secando nos varais dos bairrros chiques da cidade, apesar de tudo.
La Porta, o presidente do Barcelona, contratou o arquiteto Norman Foster para reformar o Camp Nou (Campo Novo), que data de 1957. Foster quer que o estádio tenha “uma segunda pele inspirada nos trencadís, do Park Guell, de Gaudí”, com estalido de cores, no caso, o azul e o grená. Diz La Porta: “… de la misma forma que el Camp Nou fue una joya arquitectónica que se avanzó a su tiempo, ahora, se proyecta hacia al futuro”.
Qual será o futuro da língua catalã com escritores tão cooptados e submissos como Susana Raffart, Joan Navarro, Gemma Gorga, Enr
ic Sòria, que se negam ao debate público e a discutir, por exemplo, a Carta no nacionalista, de Mejias e Sibila ?
Ver Sibila Carta no nacionalista http://sibila.com.br
Como a língua catalã se “projetará ao futuro”? O maior prosador catalão vivo foi, até há pouco, o chileno Roberto Bolaño (1955/2003) e, agora, é Jonathan Littell, um novaiorquino, nascido em 1967. Talvez os melhores poetas de Catalunha sejam os cubanos Rolando Sánchez Mejias e Pedro Marqués de Armas. De nada vale enviar 101 escritores medíocres e fâmulos para a Feira de Frankfurt, outra mostra das prioridades nazi-identitárias de Montilla. (Recorde-se que a Índia, quando homenageada, mandou 31 autores!) Há alguns poetas barcelonenses a serem ressalvados, como Iván Humanes Bespín, que entendeu que o século 21 deve ser o século da pluralidade e da tolerância, da riqueza da convivência entre línguas e nacionalidades, e não de retrocessos medievais marketeiros, como o da elite política catalã, que não admite o castelhano, os imigrantes, o diálogo etc, com seu nacionalismo perigoso – verdadeira arma de destruição das massas catalãs. Não se compreende a Espanha sem o vasco, o catalão, o galego e o espanhol. Uma língua oficializada não vive, sobrevive às custas de melhores condições de vida dos próprios catalães. O Estado catalão (Generalitat), para retomar Bobbio, não está nas mãos do povo, como no Brasil de Lula da Silva (a maior fraude da história recente do país) ou na Venezuela do “Leoncito de Castro” Hugo Chávez. Ao menos, uma boa parte dos escritores brasileiros e venezuelanos não se deixam cooptar.