O meu livro predileto é Poeta en Nueva York, de Federico Garcia Lorca, escrito em 1929 e 1930, quando ele era estudante na Columbia University, que leio e releio por agora, caoticamente, numa edição espanhola da Lúmen, de 1998. Acrescento: o meu “livro” mais amado é Obra Poética completa, de Lorca. Por que o Poeta en Nueva York? Porque Lorca é, realmente, um poeta transgressivo. A transgressão está vinculada à capacidade de análise e à capacidade crítica de um autor e de uma obra e à sua capacidade de encantar, ou seja, a de permancer viva e misteriosa para além de seu aspecto mais racional e dedutível. No Poeta en Nueva York, há o choque entre uma sensilibilade católica e uma realidade protestante, o choque entre o rural e o urbano, o “conflito entre a luz e o vento”, para me valer de um verso do próprio poeta.
E que poeta!; há também um testemunho: o da crise de 1929, crise paradigmática dos tempos modernos. E o encontro da mais refinada tradição ibérica de poesia com as inovações da mais “inovadora” poesia do século 20, a norte-americana (Whalt Whitman, Hart Crane, no caso específico). Na conferência que proferiu, quando da primeira leitura pública do poema, em Barcelona (se não me engano), em 1932, Lorca diz, de forma profética: “Y hoy no tengo más espectáculo que una poesia amarga”. Prestar atenção nas palavras “espetáculo” e “poesia”, aqui representando a arte, analítica, crítica e mágica. E ainda um alerta: meu poema é uma reação lírica diante de Nova Iorque e não um comentário descritivo.
Finalizo essa nota, transcrevendo um trechinho do poema “Dança da morte”, aquele onde o diretor de banco mede o “cruel silêncio da moeda”: “…Que já as cobras silvam pelos últimos andares / que já as urtigas estremecem pátios e terraços, / que já a bolsa será uma pirâmide de musgo, / e que já já lianas depois de fuzis / e muito em breve, muito em breve, muito em breve. / ai! Wall Street.”
2005