Convergem neste “May Sky /There Is Always Tomorrow” (Céu de Maio /Há Sempre Um Amanhã, 287 págs., Sun & Moon Press), antologia de haicais, escritos no estilo Kaiko por nipo-americanos durante a Segunda Grande Guerra, compilados e traduzidos do japonês para o inglês pela poeta Violet Kazue e Cristoforo, um conjunto de questões que ultrapassa o limite da fronteira estética. Bilíngue, japonês/inglês, o volume recolhe — com caráter também de documento — peças dos nipo-americanos, isseis (japoneses que emigraram), e pelos norte-americanos, nisseis (filhos dos primeiros imigrantes) da Califórnia, internos em campos de concentração após o ataque do Japão a Pearl Harbor, no final de 1941. Sua importância se acentua em virtude do fato de que quase toda a coleção de haicais da linha Kaiko — o haicai modernista, que se libertou da métrica fixa de 5-7-5 sílabas em seus três versos, movimento iniciado no Japão, em 1912, com ativismo literário até 1926 (período “Taisho”) — foi destruída pela bomba atômica, em 1945.
Pesquisas como esta, que desvelam “subcidadãos”, devem ser estimuladas a se realizar, aqui, país que, embora com modelo diverso de discriminação do norte-americano (este: segregação formal e oficial dos não-brancos até 1954, ao menos), ergueu — muitas vezes — a “preferência pelos brancos” à condição de lei. Em 1890, um ano depois da abolição, a imigração excluía, por decretos, especificamente os nativos da Ásia e da África e, nas primeiras décadas do século 20, houve perseguição não só a negros, bem como, entre outros, a asiáticos. A Constituição de 1934, do Estado-Novo, chegou a estabelecer “cotas de origens nacionais”, visando a obviar a chegada de não-brancos. Pouco se conhece a respeito das discriminações aos emigrados ao Brasil que, por infelicidade, viram-se perseguidos pelo alinhamento de seus países de partida com a Alemanha, durante as Guerras. Há registros da existência de campos de concentração em diversos pontos do país, porém o tema permanece pouco explorado.
“May Sky” — que repõe em circulação as peças em estilo modernista (Kaiko) desses poetas desconhecidos, oriundos de Fresno e de Stockton, Califórnia, levados para pontos altos e distantes do oceano como Arizona, Novo México ou Arkansas, e cerceados em todos os seus direitos (inclusive o de impetrarem habeas-corpus) — ganha relevância se o lermos à luz de uma observação de Thomas Skidmore: “A Segunda Grande Guerra dramatizara as consequências do pensamento racista ‘científico’, que dominou a cultura dos EUA (Brasil) e Europa desde o final do século 19. A ‘solução final’ da Alemanha nazista mostrou o desfecho trágico das suposições racistas subjacentes à conquista e colonização européia do ‘mundo não-ocidental’ desde o século 15”. Conclui Skidmore dizendo que Auschwitz foi a “reductio ad absurdun” da escravidão africana, em continente europeu. Neste passo, não posso deixar de transcrever o haicai à Kaiko de Paulo Leminski (1987): “Lua à vista /brilhavas assim /sobre Auschwitz?”.
“May Sky” responde a filósofos e poetas, como o francês Jacques Roboud, que se pode escrever sim poesia — não só depois da existência de campos de concentração (reduções ao absurdo), mas, mesmo, sob a opressão de suas grades e incertezas — como forma de resistência e pensamento, como exercício da paciência — como assinalava o inventor do Kaiko Ippekiro Nakatsuda (1879-1946) e seus discípulos de Fresno, Neiji Ozawa, e de Stockton, Kyotaro Komuro. Paradoxalmente, por um lado, este exercício se deu por meio de uma forma de poesia difundida como “delicada”, que se vinculava (no Japão, por exemplo, devido ao seu clima demarcado) às estações do ano, aos pássaros e flores, ao silêncio. “Silêncio”, no caso deste volume, enfático e revitalizador.
Régis Bonvicino
May Sky – There Is Always Tomorrow (An Anthology of Japanese American Concentration
Camp Kaiko Haiku) por Violet Kazue de Cristoforo, 287 páginas, Sun & Moon Press, Los Angeles.
HISAO FUKUDA
Trabalhando com os prisioneiros de Guerra italianos
* Os dois lados rindo
sem entender a língua
cara úmida de neve
* Chão congelado
ao longo do dia
longos casacos italianos
YAJIN NAKAO
* Às coisas vivas
desordem
em Rohwer* — trovão, chuva, vento
* Rohwer, um dos Campos de Concentração
DEISHA SHINTOMI
*O trem de sempre passa
som do relógio resume
noite de inverno
NEIJI OZAWA
*A guerra — este ano
Ano novo, sino, meia
-noite soando no deserto
Kaikos traduzidos do inglês por Régis Bonvicino