José Paulo Paes
O Estado de S. Paulo, Suplemento Literário, 10 jul. 1983
Entre os poetas da geração posterior àquela que assistiu ao surgimento e afirmação da poesia concreta entre nós, Régis Bonvicino parece ser um dos poucos em que o seu influxo alcançou finalmente transitar da imitação para a invenção. No que ele faz, percebe-se, as mais das vezes, menos o epígono diligente a copiar modelos do que o poeta por direito próprio a se inspirar nas lições da frugalidade concreta para chegar ao domínio de uma dicção pessoal. Esse domínio, algo timidamente esboçado em Bicho Papel, de 1974, e Régis Hotel, de 1978, ascende agora à maioridade em Sósia da Cópia, onde estão reunidos poemas escritos entre 1978 e 1983, alguns dos quais já divulgados em revistas de vanguarda.
Certa frequência das palavras “poeta” e “poesia” nas 41 peças do simpático volume com desenho de capa de Edgard Braga faria recear em seu autor uma perigosa inclinação para o “literário” não fosse a dita inclinação saudavelmente contrabalançada por um olho-ouvido atento às surpresas do não literário, vale dizer: da fala comum. A exemplo do Oswald de Andrade que serve de título a um dos textos de Sósia da Cópia e cujo gosto pela anedota de efeito é implicitamente lembrado noutro texto, “Vingança de Português”, Régis Bonvicino tem alguns dos seus melhores poemas centrados na revitalização da frase feita. Como “o céu/ não cai do céu”, onde o longo espaço em branco entre os dois primeiros versos e o último completa iconicamente a semântica do poema, realçando-lhe a lapidaridade. De destacar-se ainda, em Sósia da Cópia, o recorrente senso de humor que dá nervo e agilidade à maioria dos textos. E ele que policia igualmente os raros momentos de introspecção do poeta, como “Mera Praga”, um texto de severa autoanálise em que, na melhor tradição inglesa e drummondiana, a ironia se volta contra o próprio ironista para, num rol de lugares-comuns habilmente reanimados – “rabo entre as pernas”, “fio a pavio”, “fogo de palha”, para não falar da “tradução da tradução da tra” retomando alusivamente o “avesso do avesso do avesso” de Caetano Veloso –, pôr-lhe a nu o complexo de “dilutor com todas as letras”. Paradoxalmente, porém, este acesso de autocrítica, que felizmente nada tem a ver com o exibicionismo confessional de certa má poesia hoje em voga, é um bom sinal de autodomínio. O sósia da cópia não é outra cópia, mas o original. Enfim.
PAES, José Paulo. “Os Poemas de Régis Bonvicino”. O Estado de S. Paulo, Suplemento Literário, 10 jul. 1983, n. 161, p. 15. In: PAIXÃO, Fernando & LEBENSZTAYN, Ieda (orgs.). José Paulo Paes: Crítica Reunida sobre Literatura Brasileira & Inéditos em Livros. Cotia, SP: Ateliê Editorial; Pernambuco: Cepe, 2023, vol. II, pp. 473-474.