Estado de São Paulo, Caderno 2, página 4, quinta-feira, 28 de junho de 1990.
Régis Bonvicino lança hoje em São Paulo 33 poemas. É o quarto livro de poesias do autor, que, neste trabalho, exibe inteligência e humor aliados a um fazer poético sério e crítico.
Moacir Amâncio
Com este livro, Régis Bonvicino estabelece plenamente seu modo de ser na poesia. É verdade que ele nunca deixou grandes dúvidas quanto ao que pretendia, realizando bons poemas ou experimentando com inteligência e humor (se não for pleonasmo). No entanto, só a produção – e publicação – continuada permite a um escritor, como a qualquer artista, o chamado e também temido amadurecimento que levará – ó fatalidade! – às “poesias reunidas”, três tomos, estante 2, cadáver 1 (Haroldo de Campos, de memória).
Mas nesse “modo de ser”, o autor sugere as diversas leituras dos seus textos ao mesmo tempo em que, através deles, propõe uma releitura da própria poesia. Bonvicino sabe muito bem: é impossível dissociar a criação artística da intenção crítica mais séria. Não se trata de mero brinquedo intelectual. A intuição crítica está voltada para o presente, para a vida de carne e osso, sem a qual os signos perdem o sentido. Talvez a melhor definição da poética de Bonvicino esteja naquele memorável texto chamado “o suicida”, de outra coletânea, que termina assim: “o suicida/ é o que não se repetiu”.
Diante da ironia do beco sem saída, do inatingível absoluto romântico, nada melhor do que aprender a rir. Como em “Dias em seguida”, deste livro, de fundo quevediano com citação de François Villon, biltre e poeta. Ou o sensível “Tempo sombrio”, em que Bonvicino dialoga com Drummond, homenageia Leminski e dá o tom da tragicidade – o silêncio do poeta. Não porque ele se cala, mas porque não o ouvem.
Aliás, o diálogo com poetas contemporâneos e passados é um aspecto central dessa poesia, que conscientemente entende a fala como matéria e sujeito da ação. A profissão de fé está contida em um dos melhores textos dos 33 Poemas, “zap” (p. 16). Num jogo de palavras vazio na aparência, ele coloca a solidão do homem dos tempos da mídia eletrônica e dos quadrinhos em sintonia com o sonho da velida medieval transformada no próprio idioma que configura o poeta. Laforgue, Auden, o abril de Eliot, o ritmo de Cassiano Ricardo (“Outras palavras de um pôr do sol”), vanguarda etc. Sem, no entanto, se perder na ambulância de referências. Pelo contrário, aí Régis Bonvicino encontra sua identidade. Essa dialética de farpas lhe permite a unidade da poesia.