Posted on by PONTO FINAL
Poeta, tradutor, colunista na imprensa brasileira, Régis Bonvicino não é um nome consensual entre a crítica do país onde vive. E gosta disso. O autor estará em Macau no próximo mês, a participar no festival Rota das Letras, com uma sessão de leitura de poesia agendada para a Casa do Mandarim.
Maria Caetano
– Esteve há dois anos num encontro internacional de poetas em Hong Kong, aqui ao lado. Esteve inclusivamente para vir a Macau. Na altura, viu publicada uma versão trilingue da sua poesia numa antologia editada pela China University Press. Como o acolheu o leitor de língua chinesa? Que reacções obteve?
Régis Bonvicno – Acabei perdendo, em Novembro de 2011, um voo de Londres a Hong Kong e não cheguei então, infelizmente, a tempo para fazer a leitura que estava marcada na Universidade de Macau. Entretanto, visitei Macau por um dia e, por exemplo, no Leal Senado me senti em uma cidade histórica brasileira (Paraty ou Ouro Preto), pela semelhança arquitectónica ou mesmo me senti em trechos do centro velho da cidade de São Paulo, onde nasci e resido. É a colonização portuguesa. São as pedras portuguesas. A fusão de culturas de Macau me atrai. Macau é singular, contrastada, mas, de algum modo, por incrível que possa parecer, me evocou algumas cidades brasileiras. Quanto à segunda parte da pergunta, tive o prazer de ser destacado por uma revista de Hong Kong e por alguns jornais como uma das boas participações da International Poetry de Hong Kong. Quanto ao livro que menciona, tive também o prazer de este mês ler uma resenha que saiu no website “Mosquito” que destaca a minha participação na antologia. Recebi também uns poucos e-mails de estudantes que me ouviram em Hong Kong, me cumprimentando. É imperioso restabelecer o liame entre poeta e público. Não se escreve para si mesmo.
– Fez-se pen-friend de Yao Jimning, o poeta Yao Feng, lançando com ele há anos uma antologia de poesia chinesa no Brasil. Como foi por seu turno recebida esta poesia no Brasil? E como se interessou pelos poetas incluídos na antologia?
Régis Bonvicino – Sim, conheci Yao Feng pela internet – um netfriend. Eu o procurei em 1999. “Um barco remenda o mar” (2007) é um livro único, porque mostra um bocadinho de poesia chinesa contemporânea, o que não se faz em língua portuguesa. O livro foi bem recebido no Brasil, faz sucesso de estima, desperta interesse até hoje. E eu apenas colaborei com Yao Feng, a quem se deve o volume. Ele fez as traduções literais e eu as vertia para o poetês brasileiro de hoje e, depois, ele as aprovava. Bei Dao é hoje um poeta conhecido no Brasil em decorrência deste livro e graças a Yao Feng. Este trabalho só me enriqueceu e me abriu horizontes.
– Há algum diálogo entre a sua poesia e a poesia chinesa que conheceu? Influenciou-o de alguma forma?
Régis Bonvicino – Sou um poeta da tentativa de concretude da linguagem, nascido (1955) em um país então pobre e periférico. Não gosto do abstracto, do metafórico, do genérico em poesia. Percebi que a língua chinesa tem essa concretude em si mesma, o que o português não tem. Percebo semelhanças e também diferenças entre a poesia chinesa de hoje e o que faço e, de verdade, não saberia dizer se ela me influenciou. A China me influencia sim, é uma outra visão de mundo, e esses contrastes me põe em xeque. Percebi que o tempo na poesia chinesa é um e na brasileira outro, bem mais aflito. A China tem cinco mil anos de história e o Brasil 500 anos. A primeira obra de arte que despertou meu interesse pela China foi um documentário, do cineasta italiano Michelangelo Antonioni, intitulado “Chung Kuo – Cina” , de 1972, que assisti aos fragmentos nos anos 1980 e que revi recentemente também aos fragmentos, porque não foi lançado comercialmente. O que ocorreu na China de 1979 para cá, com as reformas económicas de Deng Xioping, equivale à Primeira Revolução Industrial inglesa. Não se fica indiferente diante da China. Não me encontrei com a China por meio da religião (budismo, etc.) mas através do cinema e, depois, da poesia, através de Ezra Pound. E, mais recentemente, pelo diálogo com Yao Feng e Bei Dao (que conheci até antes do próprio Yao por meio do poeta norte-americano Michael Palmer).
– Os críticos dizem-nos que procura uma ética para a poesia, dizem-nos também que oscila também entre uma prosa curta e a poesia. A haver um código de ética para a poesia, quais seriam os seus principais mandamentos?
Régis Bonvicino – Pautei-me sempre, apesar de meu temperamento explosivo quando mais jovem, pela busca da verdade e da coerência. Prefiro a crítica dura ao elogio, no que toca ao meu trabalho. Só a crítica séria me fez crescer como escritor. O elogio amolece. A ética então é uma tópica existencial e não propriamente poética. Detesto fazer auto-propaganda, detesto fazer propaganda de meu trabalho. Desengajo-me dessa era da literatura do marketing, de prémios, de condecorações, uma época fugaz e leviana, em termos literários. Há uma década e meia mal tenho contacto com a parte social da literatura. Dirijo uma revista literária (Sibila http://sibila.com.br) bastante crítica em relação à poesia brasileira e à mundial. Não quero seduzir ninguém, quero convencer, se ainda for possível. Não tenho mandamentos mas princípios. Gosto da ideia de uma ética para a estética também.
– Sente falta do ritmo, da música, na poesia de hoje?
Régis Bonvicino – A poesia do Ocidente hoje vive uma grande crise, produto da erosão dos paradigmas, que caíram com o Muro de Berlim, em 1989, e, depois, com a quebra do Lehman Brothers em 2008. Há uma subpoesia de uma subpoesia, etc. E milhares de falsos poetas, epígonos etc. A internet permitiu o poeta sem consentimento, criou uma liberdade fatal, acrítica, embora eu aprecie a internet, ela precisa de mais critérios. Eu sinto é falta de poesia que gere ideias, que se invente, que não se deduza da literatura excepto de uma experiência. E não falta de ritmo ou música.
– Admite também ser alguém “muito contestado”. Porquê? O que é que a crítica contesta em si?
Régis Bonvicino – Sou muito contestado, sim. Talvez eu esteja vivo, não? Talvez, sem querer, eu esteja no centro, não? O que a crítica contesta em mim? Deve-se perguntar a ela. Alcir Pécora, um dos principais críticos brasileiros e um dos mais rigorosos, afirma que “Régis Bonvicino possui uma das poucas produções relevantes na poesia brasileira de hoje”. É aquilo que Jean Cocteau dizia: “primeiro te vaiam, depois te colocam em um museu” (risos). Prefiro ser contestado a ser um morto-vivo como Ferreira Gullar e tantos outros.
– Tem uma intervenção planeada para a sua participação no festival Rota das Letras? O que espera poder fazer aqui?
Régis Bonvicino – Preparei um texto sobre a “Internet e a língua portuguesa” para falar aí em Macau. E me dizem que lerei poemas. É o que espero fazer.