Há uma confusão entre “poético”, “poesia” e “poema”. As pessoas se sentem ou querem estar próximas do que se chama de “poético”. O “poético” é quase sempre vago, impreciso — um espaço de despercepção. A poesia, ao contrário, é o território onde aparecem as coisas que os desatentos não percebem. O primeiro livro de poemas de Jorge Luis Borges, publicado em 1923, intitulado “Fervor de Buenos Aires”, pode ser lido como um roteiro atento daquilo que normalmente não se vê numa cidade. “Sombra benigna das árvores / vento com pássaro que sobre ramos ondeia”. Assim, Borges por exemplo fala da Recoleta e “de sua retórica de sombra e mármore” — que diz da “dignidade de estar morto”. Uma rua desconhecida não chama a atenção do desatento mas chama a do poeta: ” Talvez esta hora,da tarde de prata / dê sua ternura à rua / fazendo-a tão real quanto um verso “.
A vegetação parece obcecar o escritor,que — ao se referir à Plaza San Martin — escreve: “Todo o sentir se aquieta / sob a absolvição das árvores / jacarandás e acácias…”. Elas — jacarandás e acacias — ainda estão lá?
De que modo Borges trata um simples pátio da cidade de Buenos Aires? “Com a tarde / se cansaram as duas ou três cores do pátio / Esta noite, a lua, um claro círculo / não domina seu espaço”. Na verdade,Borges não está falando de um pátio. Mas do pôr-do-sol em um pátio, com lua cheia, logo em seguida. Pátio de poucas cores etc. Tantas percepções e imagens em tão poucas linhas, às vezes passam em branco.
“Lá fora há um pôr-do-sol/prata escuro/engastado no tempo/e uma funda cidade cega/de homens que não te viram”. Talvez, valesse a pena prestar a atenção nesta “cidade de percepções” e ver coisas nunca vistas.
Régis Bonvicino